Duas águias e um coelho
Marcelo Ferreira de Menezes
Os dois homens estavam ali sozinhos, deitados, lado a lado, bem junto à borda do terraço daquele edifício de cinco andares no Bairro do Mota. De bruços e apoiados nos cotovelos, ambos se mantinham com o olhar fixo para baixo, tentando se concentrar apenas na importância de todo aquele momento. Apesar de a serenidade azul do céu da tarde que se retirava lançar sobre aquele trecho da cidade um misto de romantismo e melancolia, a vista dali não era o que se poderia chamar de aprazível. Mesmo assim, para eles dois não poderia haver melhor lugar.
— Não. Cê tá enganado. Like a virgin veio primeiro. Material girl, depois. Eu ouvia muito rádio nessa época — e acrescentou, quase que num sussurro — Acho que você devia chegar era aqui mais pra perto de mim.
O outro puxou seu corpo conforme o pedido do companheiro, um pouco com dificuldade pela posição, arrastando a barriga no chão. Insistiu:
— Tô te falando, pô! Primeiro foi Borderline. Essas aí que você disse é que vieram depois. Minha irmã mais velha tinha o disco, um de capa rosa, eu acho.
— Tá... Mas o que é que tem? — movendo milimetricamente os cotovelos, apenas o suficiente para aliviar um deles do desconforto de estar apoiado sobre um grão de areia.
— Não, então... Não tem um filme que ela fez... por volta dessa época... da new wave? Eu era moleque...
— Ah, sei lá! Fala logo, caramba! Isso lá tem importância agora?
— É que tem uma outra menina nesse filme que... sei lá... Os olhos... eu tô me lembrando... se parecem muito com essa mina daí... Se liga no olhar...
— Cê tá de brincadeira, meu? — disse, sem mover os olhos para o parceiro.
— É sério! Eu... — ia falar, mas foi interrompido.
— Ó! É o sinal! — alertou o primeiro.
— É o sinal? Confirma, base? — perguntou, levando as mãos ao ouvido livre.
— É! É! É o sinal! Vai!
Daquela distância os dois definitivamente não costumavam errar. Aliás, nunca haviam errado em serviço algum, fosse qual fosse a distância. Por isso eram quem eram.
A bala viajou num assovio, percorrendo oitocentos metros, em menos de um segundo, o que dá uma velocidade de quase três mil quilômetros por hora. Ao final do percurso, ela esfacelou o crânio do assaltante do banco, que fazia de refém uma indefesa e bela jovem, suavemente morena e de olhar meigo, porém que estampava todo o seu horror. Os miolos se misturaram a tufos de cabelo e pedaços de ossos ensanguentados e grudaram nas paredes e nos reféns atônitos, que ansiavam pelo desfecho de toda aquela situação.
Finalmente os dois homens se puseram de pé.
— Coelho abatido, capitão! — disse o atirador de elite pelo headset. Águias desativando posto.
— Viu agora?! Cê viu isso, seu mané?! Cê viu os olhinhos assustados dela?! Não são iguaizinhos?!
— Que isso, mermão! — discordou o segundo atirador, ajustando com tranquilidade o rifle no case. — Cê tá mais é viajando. Se ela ao menos fosse loura...
— Ai, caramba! Cê não ouviu chongas do que eu disse, né? Eu falei que ela se parecia com a outra moça do filme; não com a Madona!