O taxista e a mulher loira (Em 28/04/12)

blogdomedo.blogspot.com


O taxista e a mulher loira
Marcelo Ferreira de Menezes

Valdomiro era motorista de táxi havia muitos anos. Gostava de dirigir à noite, quando o trânsito era mais tranquilo: “A gente ganha menos, mas também não se aborrece tanto”.
Durante toda sua vida profissional, vinte anos, pegou muito passageiro esquisito. Uma mulher fantasiada de palhaço indo para um casamento, bêbados aos montes, caloteiros e tudo quanto é tipo de gente. Mas, naquela noite chuvosa, ao apanhar uma passageira na frente de um cemitério, uma mulher loira vestida de branco, ele passou pela experiência mais inusitada de sua vida.
Por causa do aguaceiro que caía, ele quase não viu o braço da moça estendido, dando sinal. Além do mais, estava distraído pensando na dor que um rapaz, o qual havia deixado em um hospital ali perto, deveria estar sentido com aquela fratura exposta no braço. Brecou bruscamente no ponto em que ela se encontrava: o portão do velório, que àquelas horas estava fechado.
A mulher entrou no táxi.
— Me desculpe, dona. Eu quase que não vi a senhora — desculpou-se o taxista, olhando para sua passageira pelo retrovisor.
Ela não disse nada. Apenas o fitou com um olhar frio, sem expressão.
Como todo taxista gosta mesmo de falar, ele tentou puxar assunto:
— Que noite, hein? Mas tava precisando chover mesmo, né? Baita de um calor que fez hoje...
Ela, quieta.
— A senhora não vai dizer nem para onde vai? — brincou.
— O senhor faça a gentileza de me levar para Botafogo.
Como Botafogo ficava do outro lado da cidade e porque havia reparado que a moça estava sem bolsa, apenas vestindo uma espécie de camisola toda branca, ele achou estranho.
— A senhora tem certeza? É uma corrida muito longa. Daqui até lá levam...
— Para onde estou indo, meu senhor, eu não tenho nenhuma pressa — respondeu friamente.
Valdomiro mirou mais uma vez a moça. Tinha olheiras profundas, e a palidez de sua pele lembrava o mármore das estátuas que decoram as sepulturas.
— Dona, a senhora vai me desculpar, mas não é muito tarde para a senhora ficar parada onde estava? Já passa da meia-noite. Ali é muito deserto; a senhora é uma moça bonita e, sabe como é, o pessoal hoje não está perdoando.
— O medo é algo que já não me pertence mais.
Sem saber por que, Valdomiro sentiu um arrepio gelado percorrer-lhe a espinha.
Após duas horas de corrida, sem trocarem mais nenhuma palavra, chegaram a Botafogo.
Então a moça ordenou:
— O senhor pode virar na próxima rua e parar em frente ao segundo prédio, à direita.
Abriu a porta do carro e saltou sem dizer palavra.
— Moça! A corrida, a senhora tem que me pagar — disse um pouco irritado o taxista.
— Eu moro aqui — disse com uma voz sonolenta. — Vou subir e pegar o dinheiro. O senhor pode esperar aí.
Valdomiro ficou no carro. A moça passou pela portaria e desapareceu num corredor escuro. O porteiro do prédio não levantou a cabeça, mas pressentiu um vulto passando ao lado de sua cabine e permaneceu em sua posição.
Vinte minutos se passaram, e, como a moça não vinha, Valdomiro decidiu interpelar o porteiro.
— Amigo, por gentileza.
— Pois não — disse olhando para o taxista.
— A moça que passou por aqui agora pouco, mora em que apartamento?
— A que moça o senhor está se referindo?
— A mocinha de vestido branco, que entrou agora aqui, uai!
— Eu não vi ninguém, moço.
Valdomiro insistiu ainda, contando todo o ocorrido.
— Moço, eu não vi ninguém. A única coisa que eu vi foi o senhor parado ali em frente. Só.
O taxista voltou para o carro cônscio de que acabara de estar com um fantasma. Pegou o celular e ligou para sua mulher.
— Querida, acho que não vou mais trabalhar à noite.
Entrou no carro e arrancou.
O porteiro esticou o pescoço, foi até a portaria aberta e se certificou de que o táxi tinha sumido na esquina. Entrou novamente no prédio e sumiu pelo corredor, adentrando a primeira porta antes da escada.
— Ô, Zulmira! Você tem que parar com essa coisa! Uma hora vai dar problema.
A moça de branco, sentada em um sofá, com as pernas esticadas num banquinho, respondeu com displicência:
— Everaldo, eu já falei. Depois de um plantão de vinte e quatro horas naquele hospital cuidando de gente doente, não há santo que me faça pegar ônibus. Você que se vire e compre um carro para me pegar.
— Mas como, mulher? Eu sou rico por acaso? 
Se vira!