Espelho quebrado, rosa vermelha, noite chuvosa, surpresa (Em 07/11/2012)


       O texto abaixo, de autoria do Professor Marcelo Menezes, foi elaborado a partir do seguinte tema narrativo: Crie uma narrativa que apresente os seguintes elementos: espelho quebrado, rosa vermelha, noite chuvosa, surpresa.

       Numa linguagem cinematográfica, posto que as ações se encadeiam num ritmo de curta-metragem, o texto vai desvendando ao leitor, cena a cena, os mistérios que envolvem os personagens até que, ao final,  apresenta um desfecho surpreendente. Envolva-se também nessa trama, mas cuidado para não ser apanhado de surpresa!



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    Aposentadoria
    Marcelo Ferreira de Menezes


    Ela sumira de sua vista por alguns minutos. E ele sabia que não poderia cometer erros; não com ela. Mas ali não havia mais de duas opções de saída. Por isso ele tinha certeza de que ela ainda se encontrava no prédio, no meio dos convidados daquela requintada recepção. Circulou um pouco pelo meio do magnífico salão, por entre mulheres e homens sofisticadamente vestidos, fingindo apreciar seu uísque; não convinha beber. Até que a avistou subindo apressadamente as escadas. Discretamente alcançou os degraus da escadaria e a seguiu.
    O corredor era comprido e iluminado pela luz mortiça e amarelada das antigas luminárias de parede. Ladeando cada uma das portas que davam acesso aos quartos, espelhos de cristal iam refletindo a imagem do rapaz enquanto este avançava para a última porta, a única semiaberta. Em um dos espelhos, mirou sua silhueta elegantemente envolvida por seu legítimo Armani. Era um ramo arriscado, mas ele sabia que havia suas compensações. Uma rachadura nesse espelho riscava transversalmente a imagem de seu corpo. Incomodado, ele ajeitou a gravata borboleta e finalmente ganhou a porta. Ela dava acesso ao terraço, e foi lá que ele a encontrou, parada próxima ao parapeito.
    Rorim... Rorim Kenrob ‒ ele disse avançando lentamente em direção à mulher.
    A chuva finalmente dera uma trégua. Algumas pequenas falhas nas nuvens permitiam a passagem da luz da lua, que se elevava acima delas. E essa fraca luz permitiu a ele perceber que, apesar da idade, ela ainda conservava a beleza que vitimara tantos. Ela afastou com a mão esquerda uma mecha de cabelo ruivo que cobria caprichosamente um de seus olhos; olhos traiçoeiramente verdes.
    Ora ‒ ela o fitou altiva. ‒ Você até que é bem moço... para tanta ousadia. Admiro seus métodos. Afinal, mandar rosas vermelhas para suas vítimas antes... Bem... Não pensou que eu talvez pudesse tentar fugir? Como todos fazem?
    Ele, afetando interesse na conversa, respondeu:
    E para onde você iria? Depois, pelo que sei, você, sendo a melhor dos nossos, não faria isso. Não temeria o final que você mesma, e só você, soube entregar a tantos. Mas concordo que a fuga de nossas vítimas dá mais prazer à nossa... missão. A caçada... você sabe... é um bom treino. E todos nós não fazemos isso? Dar-lhes um aviso? Qual é... era ‒ e marcou bem esse verbo ‒ o seu?
    Ela pareceu ignorar a pergunta. Pela primeira vez, abaixou os olhos, mirando a cidade ao longe e suas luzes cintilantes. Abriu a carteira feminina, retirou um pequeno estojo com tampa espelhada e retocou o batom vermelho. Ele mirou o estojo, percebendo uma rachadura sobre o diminuto espelho.
    Então é assim. Essa é a nossa aposentadoria? A organização não nos quer mais, então... manda um cleaner? ‒ e depois de uma demorada pausa ‒ Tem um cigarro? ‒ ela perguntou soltando de uma só vez o fôlego, mas tentando manter uma altivez que já não se sustentava.

    A repentina fragilidade estranhamente a deixara mais sedutora aos olhos do rapaz.
    Então ele respirou aliviado, soltando o estilete que já espremia entre os dedos de sua mão direita enfiada dentro do bolso. Ficou feliz por ver que seria de outra maneira. Degolar aquela bela mulher era o mesmo que rasgar a tela de um Monet. E as obras de arte não mereceriam um final digno?
    Ele abriu a cigarreira e lhe deu um. Ela o levou a boca, tragando-o fortemente enquanto ele lhe mantinha estendido e aceso o isqueiro.
    Então? Como vai ser? ‒ ela indagou, misturando as palavras a uma tosse involuntária. ‒ Tenho pelo menos o direito de saber. Como? ‒ insistiu nervosa e dando outra forte tragada.
    Já está sendo ‒ ele sorriu maliciosamente. Vai acabar logo. O cigarro... Você conhece bem os efeitos do cianureto.
    Ela cambaleou. Deixou o cigarro cair. Tossia convulsivamente agora. A mão no peito tentou, mas não impediu o desmoronamento. Seus olhos permaneciam abertos e sedutoramente verdes, mas sua boca foi se congelando num esgar medonho. A brasa do cigarro se extinguiu aos primeiros pingos da chuva, que retornava mansamente.
    O rapaz retirou da lapela de seu Armani uma rosa vermelha e com cuidado a deitou sobre o colo da mulher sem vida ao chão.
    Rorim Kenrob... ‒ ele afagou o belo rosto branco e gélido e repetiu seu nome, tentando imaginar os grandes feitos daquela que fora a mais temida das assassinas de aluguel da Europa. Vislumbrou que um dia ele também seria um grande nome. Até que um cleaner enfim viesse procurar por ele.Virou-se e, com rosto frio, deixou o terraço. 
    No estacionamento da mansão, ele acionou o destravamento das portas da Lamborghini Murcielago. Pensou que havia perdido tempo demais naquela conversa e por isso tinha de sair bem rápido dali. Mas carros esportivos eram para isso. Ao olhar o espelho retrovisor esquerdo, irritou-se: algum carro havia batido nele, quebrando-o e causando ao moço um prejuízo de algumas centenas de dólares. "Inferno!", ele praguejou. Ao engatar a marcha ré, olhou em direção ao teto e só aí se deu conta de que o espelho interno também estava partido.
    Então um frio lhe percorreu a espinha imediatamente. Havia visto muitos espelhos quebrados em um só dia, a começar pelo de sua suíte pela manhã, no Empire Inn. Um clarão em sua mente o jogou novamente na conversa que há pouco tivera com sua vítima. Viu então que a pergunta que fizera a ela não ficara sem resposta e repetiu aquele nome: "Rorim Kenrob... Rorim Kenrob... broken... broken mirror!". Descobrira o anagrama. Moveu-se num pulo para sair do carro, mas em vão: no mesmo instante, a Lamborghini de milhares de dólares subia aos ares numa bola de fogo gigantesca que foi desaparecendo enquanto a chuva voltava a cair pesadamente por sobre toda a cidade.


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