O texto abaixo, de autoria do Professor Marcelo Menezes, foi elaborado a partir do seguinte tema narrativo: Crie uma narrativa que apresente os seguintes elementos: espelho quebrado, rosa vermelha, noite chuvosa, surpresa.
Numa linguagem cinematográfica, posto que as ações se encadeiam num ritmo de curta-metragem, o texto vai desvendando ao leitor, cena a cena, os mistérios que envolvem os personagens até que, ao final, apresenta um desfecho surpreendente. Envolva-se também nessa trama, mas cuidado para não ser apanhado de surpresa!
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Aposentadoria
Marcelo Ferreira de
Menezes
Ela
sumira de sua vista por alguns minutos. E ele sabia que não poderia
cometer erros; não com ela. Mas ali não havia mais de duas opções
de saída. Por isso ele tinha certeza de que ela ainda se encontrava
no prédio, no meio dos convidados daquela requintada recepção.
Circulou um pouco pelo meio do magnífico salão, por entre mulheres
e homens sofisticadamente vestidos, fingindo apreciar seu uísque;
não convinha beber. Até que a avistou subindo apressadamente as
escadas. Discretamente alcançou os degraus da escadaria e a seguiu.
O
corredor era comprido e iluminado pela luz mortiça e amarelada das
antigas luminárias de parede. Ladeando cada uma das portas que davam
acesso aos quartos, espelhos de cristal iam refletindo a imagem do
rapaz enquanto este avançava para a última porta, a única
semiaberta. Em um dos espelhos, mirou sua silhueta elegantemente
envolvida por seu legítimo Armani. Era um ramo arriscado, mas ele
sabia que havia suas compensações. Uma rachadura nesse espelho
riscava transversalmente a imagem de seu corpo. Incomodado, ele
ajeitou a gravata borboleta e finalmente ganhou a porta. Ela dava
acesso ao terraço, e foi lá que ele a encontrou, parada próxima ao
parapeito.
‒ Rorim...
Rorim Kenrob ‒ ele disse avançando lentamente em direção à
mulher.
A
chuva finalmente dera uma trégua. Algumas pequenas falhas nas nuvens
permitiam a passagem da luz da lua, que se elevava acima delas. E essa
fraca luz permitiu a ele perceber que, apesar da idade, ela ainda
conservava a beleza que vitimara tantos. Ela afastou com a mão
esquerda uma mecha de cabelo ruivo que cobria caprichosamente um de
seus olhos; olhos traiçoeiramente verdes.
‒ Ora
‒ ela o fitou altiva. ‒ Você até que é bem moço... para tanta
ousadia. Admiro seus métodos. Afinal, mandar rosas vermelhas para
suas vítimas antes... Bem... Não pensou que eu talvez pudesse
tentar fugir? Como todos fazem?
Ele,
afetando interesse na conversa, respondeu:
‒ E
para onde você iria? Depois, pelo que sei, você, sendo a melhor dos
nossos, não faria isso. Não temeria o final que você mesma, e só
você, soube entregar a tantos. Mas concordo que a fuga de nossas
vítimas dá mais prazer à nossa... missão. A caçada... você
sabe... é um bom treino. E todos nós não fazemos isso? Dar-lhes um
aviso? Qual é... era ‒ e marcou bem esse verbo ‒ o seu?
Ela pareceu ignorar a pergunta. Pela primeira vez, abaixou os olhos, mirando a cidade ao longe e suas
luzes cintilantes. Abriu a carteira feminina, retirou um pequeno estojo
com tampa espelhada e retocou o batom vermelho. Ele mirou o estojo,
percebendo uma rachadura sobre o diminuto espelho.
‒
Então é assim. Essa é a nossa
aposentadoria? A organização não nos quer mais, então... manda um
cleaner? ‒ e depois de uma demorada pausa ‒ Tem um
cigarro? ‒ ela perguntou soltando de uma só vez o fôlego, mas
tentando manter uma altivez que já não se sustentava.
A repentina fragilidade estranhamente
a deixara mais sedutora aos olhos do rapaz.
Então
ele respirou aliviado, soltando o estilete que já espremia entre os
dedos de sua mão direita enfiada dentro do bolso. Ficou feliz por
ver que seria de outra maneira. Degolar aquela bela mulher era o
mesmo que rasgar a tela de um Monet. E as obras de arte não
mereceriam um final digno?
Ele
abriu a cigarreira e lhe deu um. Ela o levou a boca, tragando-o
fortemente enquanto ele lhe mantinha estendido e aceso o isqueiro.
‒
Então? Como vai ser? ‒ ela indagou,
misturando as palavras a uma tosse involuntária. ‒ Tenho pelo menos o direito de
saber. Como? ‒ insistiu nervosa e dando outra forte tragada.
‒ Já
está sendo ‒ ele sorriu maliciosamente. Vai acabar logo. O cigarro... Você conhece bem os
efeitos do cianureto.
Ela
cambaleou. Deixou o cigarro cair. Tossia convulsivamente agora. A mão no
peito tentou, mas não impediu o desmoronamento. Seus olhos
permaneciam abertos e sedutoramente verdes, mas sua boca foi se
congelando num esgar medonho. A brasa do cigarro se extinguiu aos
primeiros pingos da chuva, que retornava mansamente.
O
rapaz retirou da lapela de seu Armani uma rosa vermelha e com cuidado a
deitou sobre o colo da mulher sem vida ao chão.
‒
Rorim Kenrob... ‒ ele afagou o belo
rosto branco e gélido e repetiu seu nome, tentando imaginar os
grandes feitos daquela que fora a mais temida das assassinas de
aluguel da Europa. Vislumbrou que um dia ele também seria um grande
nome. Até que um cleaner enfim viesse procurar por ele.Virou-se e, com rosto frio, deixou o terraço.
No
estacionamento da mansão, ele acionou o destravamento das portas da
Lamborghini Murcielago. Pensou que havia perdido tempo demais
naquela conversa e por isso tinha de sair bem rápido dali. Mas carros
esportivos eram para isso. Ao olhar o espelho retrovisor esquerdo,
irritou-se: algum carro havia batido nele, quebrando-o e causando ao
moço um prejuízo de algumas centenas de dólares. "Inferno!",
ele praguejou. Ao engatar a marcha ré, olhou em direção ao teto e
só aí se deu conta de que o espelho interno também estava partido.
Então
um frio lhe percorreu a espinha imediatamente. Havia visto muitos
espelhos quebrados em um só dia, a começar pelo de sua suíte pela
manhã, no Empire Inn. Um clarão em sua mente o jogou novamente na
conversa que há pouco tivera com sua vítima. Viu então que a
pergunta que fizera a ela não ficara sem resposta e repetiu aquele
nome: "Rorim Kenrob... Rorim Kenrob... broken... broken
mirror!". Descobrira o anagrama. Moveu-se num pulo para sair do carro, mas em vão: no
mesmo instante, a Lamborghini de milhares de dólares subia aos ares
numa bola de fogo gigantesca que foi desaparecendo enquanto a chuva
voltava a cair pesadamente por sobre toda a cidade.
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