Sinal fechado

Sinal fechado
Composto em sala, no dia 11/08/2011, 
em parceria com os alunos

O vento gelado penetrava as janelas de meu confortável Citroën denunciando que a frente fria prometida para aquele dia já se instalara. Era o fim de uma sexta-feira ingrata para mim; muitos aborrecimentos no trabalho, e eu só pensava em ir para cama cedo ou ficar só assistindo à televisão. Se eu pudesse, jamais voltaria para aquele inferno. O sinal fechou, e eu brequei bruscamente. Olhei para o lado; uma figura se destacava no meio de um monte de papéis: um mendigo. Aquela visão mudou totalmente o rumo de meus pensamentos.
Tentando juntar com suas mãos pretas e gretadas pelos calos os jornais ao seu redor para se proteger do frio que fazia, ele tinha na face as marcas das ingratidões da vida. Seus olhos eram de um castanho desbotado, assim como o azul esmaecido de seu casaco, já bastante devorado pelas pedras do chão. Usava uma touca preta, mas deixava à mostra seus cabelos compridos, já tocados pela mão do tempo. Apesar da aparência cansada, da vermelhidão da pele, devido provavelmente à combinação de muito sol e bebida, não parecia ser muito velho. Mesmo assim, uma barba crescida e amarelada acrescentava à sua imagem alguns anos a mais. Seus três cães deviam ser seus únicos amigos, e essa era a razão da profunda tristeza que transbordava de seu olhar.  
Havia marcas de restos de alimento por toda sua roupa. Alimento do qual ele sentia necessidade, mas que muitos lhe recusavam. Talvez sua maior fome fosse de atenção, de afeto. A voz rouca tentava acalmar os cães; rouquidão que poderia ser resultado de suas súplicas insistentes, e não atendidas. Seus olhos não os abandonavam. Aliás, seu olhar às vezes se detinha no nada ou nas linhas daquele chão imundo, parecendo vasculhar algo muito distante, perdido numa dimensão longínqua do passado. Sua contrariedade por estar ali ficava evidente a cada longo suspiro que dava com dificuldade.
Aquele sinal vermelho durou apenas alguns segundos, mas para mim pareceu toda uma vida; toda uma vida que aquele homem não tinha mais. O sinal abriu. Mas eu me detive ainda um pouco naquele momento de contemplação, apesar das buzinas nervosas atrás de mim. Já não maldizia meu trabalho. Eu sabia que, no trajeto até minha casa, encontraria muitos outros sinais fechados; mas eles iriam se abrir em poucos segundos. Para aquele mendigo, infelizmente, eles sempre estiveram fechados, e parecia não haver mais esperança de que um dia ele pudesse vir a encontrar um verde de nossa sociedade sempre apressada, acostumada a ver tudo através de uma cínica e confortável distância.