Mostrando postagens com marcador Atrium. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Atrium. Mostrar todas as postagens

Afrodescendente? Afro-brasileiro? O que é isso, mano?! (Em 03/11/14)

Tarcísio José Martins (1949) é um advogado, poeta, romancista e historiador brasileiro, nascido em Moema-MG. Realiza trabalho de pesquisa às fontes primárias, desvendando fatos obscuros que rodeiam a história dos anos setecentos de Minas Gerais, São Paulo e Goiás, destacando-se a histórica Confederação Quilombola que ficou conhecida como Quilombo do Campo Grande. Entre outras obras de expressão, é autor da trilogia Quilombo do Campo Grande - A História de Minas Roubada do Povo, Quilombo do Campo Grande - A História de Minas que se Devolve ao Povo e Quilombo do Campo Grande - Ladrões da História. É Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, empossado em 17.09.2011, cadeira nº 92, tendo como patrono o engenheiro negro Teodoro Sampaio.


Ter consciência negra não significa, necessariamente, que todos os pardos devam se considerar negros. Não. Significa, isto sim, todos os miscigenados devem ter consciência de sua ancestralidade negra e do modo mais preciso que quiser ou puder.

A África é muito abrangente. Ainda hoje há muitas Áfricas; há muitos africanos.

Ao Norte, às margens do Mediterrâneo, predomina a raça branca ou árabe. Ao centro do continente, caminhando para o Sul, são negros que predominam em sua quase totalidade. Bem no Sul, já nas divisas da Rodésia, destacam-se os negróides ou bantus.

Essas diversas raças se apresentam cruzadas e mescladas, com inúmeras variedades. É marcante heterogeneidade. Vários povos ou raças, em diferentes estágios de cultura ou graus de civilização, compõem a fisionomia étnico-cultural do continente. Os principais grupos étnicos são: os bosquímanos, hotentontes, negros sudaneses, camíticos, bantos, negros nilóticos, semíticos e malaios polinésios. Eles povoam, os islamizados, o norte do Saara; os bantos e demais negros, o sul do Saara. Predominam, é certo, os produtos híbridos; porém formam duas Áfricas: a África Árabe e a África Negra”. Castro Carvalho em África Contemporânea, São Paulo, 1962, pg. 19.

Os chamados afro-brasileiros têm etnias africanas bem definidas e específicas: em sua quase totalidade, ou são sudaneses ou são bantos.

Mesmo ai, mano, o bicho pega. Confundir um sudanês com um banto é como confundir um português com um alemão; ou, um inglês com um italiano. É gente completamente diferente; estrangeira entre si.

Os sudaneses, também chamados (pelos portugueses) de “Minas”, compreendem, entre outras, as seguintes etnias: Mandingas, Baubaras, Soniqués, Dioulas, Fous, Baribas, Peuls, Iorubás, Sombas, Agni-Ashanti, Kouakoua, Kfoumen, Inandes (Malinké e Dioula), Sênoufo, Awê, Kabré, Haussa, Kotokoli, Basani, Miba, Ibos etc., originários dos atuais Gana, Benin, Mali, Costa do Marfim, Togo, Nigéria, etc. Cultuam mais de 400 divindades, entre as quais, os nosso Orixás; seu Deus ou Alá, chama-se Olodumaré. Falam mais de 200 línguas, entre as quais, os dialetos Yorubás. Quanto a religiões estrangeiras, aderiram majoritariamente ao Islamismo.

Os bantos, também chamados de bantus (nome original africano), compreendem, entre outras, as seguintes etnias: Cabindas, Bengalas, Cuangos, Cuamatas, Cuajamas, Cueneme, Banquistas, Rongas, Chopes, Tongas, Senfas, Macuas, Angônias, Ajuas, etc., originários dos atuais Angola, Congo, Moçambique, parte das Guinês e parte de Camarões. Cultuam menos divindades, sendo, alguns povos, monoteístas. Seu Deus ou Jeová, chama-se N’Zambi ou Azambi. Falam mais de 100 línguas, predominando o umbundu, o quimbundo e o quicongo. Quanto a religiões estrangeiras, aderiram majoritariamente ao Cristianismo.

Ensinaram-nos que os sudaneses eram mais adiantados, mais civilizados e mais inteligentes que os bantus. No entanto, os nossos dicionários apontam um número enorme de palavras de dialetos bantu que se incorporaram ao Português. Palavras sudanesas, quase que só existem os nomes dos orixás. E olhe lá; pouquíssimas mesmo. 

Ensinaram-nos que os sudaneses eram mais bravos, menos submissos e mais guerreiros que os bantus. A história nos mostra, no entanto, que em Palmares, falava-se apenas umbundu e quimbundo (línguas bantu) misturadas com a Língua Geral; as próprias palavras Zumbi e Ganga-Zumba, nomes dos líderes maiores de Palmares, são palavras bantu e NÃO sudanesas. Mais de 99% dos quilombos mineiros dos anos setecentos tiveram nomes e quilombolas bantus.

TODOS os povos e comunidades remanescentes de quilombos até hoje encontrados ou “descobertos” em nosso País, a exemplo dos Kalungas de Goiás, TODOS, falam dialetos bantus. NENHUM deles fala dialetos sudaneses. 

Na verdade, sendo, as possessões portuguesas na África localizadas em regiões de povos bantus (Angola, Moçambique, etc.), sendo o tráfico um “excelente negócio”, evidente que a maioria de nossos ancestrais escravos seriam bantus e não sudaneses.

Após a Independência (1822), evidente que Portugal não tivesse mais interesse de vender bantus para o Brasil. Preferiu utilizar esses escravos em África mesmo (Angola, Moçambique).

Um embaixador baiano, chamado Francisco Félix de Souza, em Dahomé (hoje, Benin), envolveu-se na guerra e na política locais, tornando-se rei do Quidah. Restabeleceu e fomentou grosso comércio de negros sudaneses para o Brasil, através da Bahia, sua terra. Esse comércio, mesmo após a proibição do tráfico, continuou, então, como contrabando. Assim, após 1850, o grande fornecedor do braço escravo já não era a África, e sim a Bahia.
É por isto que a cultura da Salvador é diferente da cultura negra do restante de nosso País. O negro da capital baiana, no entanto, pode-se dizer que é tão recente em nossa cultura e em nossa etnia como o são os imigrantes italianos, alemães, etc., do sul de nosso País.

A cultura sudanesa, graças à exuberância, à beleza e aos pendores artísticos e comerciais dos negros baianos, está viva e forte. A sua música, seu ritmo, sua religião, sua culinária, sua estética e sua plástica maravilhosas vêm encantando a todos.

A cultura bantu, imensamente maior e mais profunda, no entanto, está sumida no meio de tudo isto. Pouca gente dela se dá conta; pouca gente dela se apercebe. No entanto, todos que vão a Angola ou a Moçambique, se encantam. Leia, por exemplo, o livro Kizombas, Andanças e Festanças, do Martinho da Vila.

E aí, malungo? (malungo é “mano” em umbundu, língua banto).

Afro-brasileiro, sim, mormente quando você quiser destacar a sua ascendência africana. No entanto, negro brasileiro ou brasileiro-negro, são mais definidores, não acha? Sendo você já uma pessoa bastante clara, mas descendente de negros – como a maioria dos mineiros antigos o termo adequado seria mesmo um brasileiro trimiscigenado, pois a mistura com o índio é quase certa e nunca negada.

Seus ancestrais eram Bantus? Ou eram Sudaneses? Pergunta para seus pais, para seus avós... Os velhos sabem... alguma coisa, sabem... se não falam é porque os moços não perguntam.

Como vê, ter consciência negra não significa, necessariamente, que todos os pardos se considerem negros. Não. Significa, isto sim, ter consciência de sua ancestralidade negra e do modo mais preciso que puder e quiser. Isto é, a meu ver, a sublimação da Consciência Negra: é a Consciência da Negritude Brasileira.

Inquietação sobre "Água Funda"

   Profª Drª fez graduação em Letras nas Faculdades Integradas Teresa D' Ávila. Possui mestrado e doutorado em Literatura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Foi professora efetiva da rede estadual de ensino e lecionou em escolas particulares de ensino fundamental e médio durante 12 anos. Além disso, trabalhou como professora nos cursos de Letras, Pedagogia, Fonoaudiologia e Relações Públicas nas Faculdades Integradas Teresa D' Ávila. Escreveu vários artigos e organizou vários livros. Atualmente é professora efetiva da Força Aérea Brasileira (FAB).



Inquietação sobre Água Funda

              Há esbarrões que provocam grandes, indeléveis e produtivas inquietações. Quando cursava o terceiro ano de Letras, meu inesquecível professor de Literatura Latino-americana, Eduíno Orione, falou-me sobre um romance chamado Água Funda. Suas palavras ainda pululam em meus ouvidos: "Já leu Água Funda? É de uma autora aqui do Vale, de Cachoeira Paulista, que foi amiga de Guimarães Rosa." (ele, Eduíno, era/é apaixonado por esse escritor, talvez por isso, tenha esbarrado na autora do livro). "O livro é um primor", disse ele. "Olha, vale a pena ler." Encantou-me o título (os títulos sempre me encantam e a água sempre foi um sortilégio para mim). Corri para a biblioteca. A partir disso, inquietações provocadas por esse esbarrão fazem cócegas em meu cérebro. Fiz um projeto sobre ele para o Mestrado, mas não o aceitaram. Alegaram que a autora não era conhecida. Fiquei pasma. Como não conheciam Ruth Guimarães?! Até Guimarães Rosa a conhecia! Fora orientanda de Mário de Andrade! Era folclorista renomada. Seu nome fora citado na Encyclopédie Française de la Pléiade! Foi a única escritora latino-americana a receber tal homenagem! Mas eu precisava fazer o Mestrado, por isso mudei o projeto. Perdeu a universidade de ter um material quase que exclusivo sobre a autora, pois até hoje há poucos estudos sobre sua obra. Ganharam meus alunos do curso de Letras, pois eles foram o público-alvo das minhas inquietações sobre Água Funda.



Afinal, quais seriam essas inquietações? Muitas. Eis apenas uma.

Água Funda, romance publicado em 1946, divide-se em dois eixos diegéticos. O primeiro centra-se na história de Sinhá Carolina, dona da fazenda Olhos D' Água, localizada aos pés da Serra da Mantiqueira. Mulher austera, impregnada de beleza ímpar, casa-se, por amor, contra a vontade dos pais, e vive infeliz até a morte de seu marido. Dessa união, nasce Gertrudes, que se apaixona pelo filho do capataz da fazenda. Como Sinhá Carolina era contra essa relação, a filha foge e nunca mais retorna à casa materna. Viúva e sem Gertrudes, a proprietária de Olhos D' Água entrega-se à solidão até quando acolhe o filho do proprietário da fazenda Limoeiro. Sinhá resolve dar uma segunda oportunidade a si mesma e une-se a esse rapaz. Ela vende todos os bens que herdara do marido, inclusive Olhos D' Água, que se transforma em uma usina de açúcar, e parte com seu novo amor. Entretanto, mais uma vez, a infelicidade reinará sobre a vida de Carolina, pois ela é abandonada pelo filho do proprietário da fazenda do Limoeiro no mesmo dia em que parte com ele. O desespero e a vergonha enlouquecem Carolina, que desaparece por muito tempo. Quando retorna ao vilarejo onde ficava sua antiga fazenda, ela está sem memória e passa a viver de esmolas. O povo do local passa a chamá-la de Choquinha. 

O segundo eixo narrativo centraliza-se na história de Joca e Curiango. Esta é comparada a elementos da natureza e aquele é descrito como alguém que se comporta de forma estranha por sofrer de ataques. O narrador homodiegético1 alega que Joca desdenhou a Mãe de Ouro, entidade do folclore brasileiro, e, como castigo, passou a sofrer desse mal, do qual, no universo maravilhoso2 da instância narrativa, não há como escapar, já que essa criatura mítica é inexorável. Joca enamora-se por Curiango e ambos se casam, mas Joca enlouquece e torna-se um errante, pois, segundo ele, é chamado pela Mãe de Ouro para cumprir seu destino trágico. Depois desses eventos, tudo volta ao normal, pois

A gente passa nesta vida, como canoa em água funda. Passa. A água bole um pouco. E depois não fica mais nada. E quando alguém mexe com varejão no lodo e turva a correnteza, isso também não tem importância. Água vem, água vai, fica tudo no mesmo outra vez". (GUIMARÃES, 2003, p. 52)


Continue lendo aqui.

_________________________________

1 Esse tipo de narrador ocorre quando o foco narrativo está em primeira pessoa. Ele participa da instância narrativa, mas não é o protagonista da trama. Segundo Reis (1980), esse tipo de narrador veicula informações advindas da sua experiência diegética.


2 O termo maravilhoso foi empregado com o significado que Chiampi (1980) lhe atribuiu quando estudou o Realismo Maravilhoso. Segundo essa autora, o discurso maravilhoso não problematiza a dicotomia entre o real e o sobrenatural. Ele “desaloja qualquer efeito emotivo de calafrio, medo ou terror sobre o evento insólito. No seu lugar, coloca o estranhamento como efeito discursivo pertinente à interpretação não-antitética dos componentes diegéticos. O insólito, em ótica racional, deixa de ser o ‘outro lado’, o desconhecido, para incorporar-se ao real: a maravilha é (está) (n)a realidade. (CHIAMPI, 1980, p. 59).

Evolução é ciência verdadeira; criacionismo é vã filosofia (Em 30/10/2013)


Paul Braterman


Prof. Braterman possui os diplomas de MA (1st cl. Hons), DPhil, DSc da University of Oxford, e passou sua carreira profissional na University of Glasgow e na University of North Texas, onde atuou como professor regente. No período em que esteve no Texas, entrou em contato com o criacionismo bíblico e observou seu impacto corrosivo sobre a educação científica. Trabalhou em questões de química relacionadas às origens da vida e às condições da Terra em suas origens e trabalha como consultor do Instituto de Astrobiologia da NASA. Atualmente é membro da comissão do British Centre for Science Education, cuja missão, em grande parte, é resistir à infiltração criacionista.
No texto a seguir, ele responde em nome da National Secular Society do Reino Unido, organização sem fins político-partidários com membros de todo o espectro social e político. Entre os sócios honorários dessa instituição estão incluídos Membros do Parlamento e seus pares, bem como as mais destacadas figuras da política, do jornalismo, do direito e das artes.


Evolução é ciência verdadeira; criacionismo é vã filosofia
Uma resposta para "O Evolucionismo e o Criacionismo à luz do Método Científico"
(Tradução: Carlos Alberto Babboni)

A Evolução não é uma cosmovisão opcional, mas uma teoria científica fundamental e uma das teorias científicas mais bem-sucedidas de todos os tempos.O Criacionismo bíblico também não é uma cosmovisão, mas um conjunto de crenças factualmente erradas a respeito do mundo e da Bíblia.

O Professor Vieira argumenta que a teoria atual da evolução e o criacionismo bíblico não são, na verdade, teorias rivais, mas representações de diferentes cosmovisões não testáveis, e que a diferença entre eles é mais filosófica do que científica. Ele está errado em todos os aspectos. A evolução é uma teoria científica, não apenas sobre o passado, mas também sobre os processos operacionais e observáveis no presente. A Evolução fez várias previsões bem-sucedidas e passou por muitos testes experimentais difíceis. Ela explica fatos que não poderiam nem mesmo ter sido imaginados quando, há 150 anos, a teoria foi apresentada em sua forma moderna. A história da criação do Gênesis pode ser testada através da observação, e [vê-se que é] falível. Faz declarações contrárias a fatos conhecidos, de modo que, independente da sua grande importância para nós, não podemos considerá-la como uma narrativa histórica exata.

O Professor Vieira afirma que não há nenhuma evidência científica para a evolução. Ele está errado. Dois excelentes livros que apresentam essa evidência, ambos disponíveis em Português, são A História De Quando Éramos Peixes, por Neil Shubin, e A Evidência da Evolução: porque é que Darwin tinha razão, da autoria de seu colega na Universidade de Chicago, Jerry Coyne. Há também um excelente site on-line, com centenas de referências à literatura primária, resumindo os principais argumentos; além disso novas descobertas que sustentam e ilustram o fato da evolução são relatadas todos os dias.

O livro de Shubin começa com um belo exemplo de evolução como uma teoria prognóstica. As rochas devonianas inferiores não contêm vertebrados terrestres. As rochas devonianas superiores contêm muitos. Portanto, a evolução prevê que deve haver evidência fóssil para formas intermediárias em alguma parte no período devoniano médio. Os primeiros vertebrados terrestres conhecidos são anfíbios, o que teria exigido a existência de água doce, e esse e outros argumentos detalhados sugeriram que as rochas com cerca de 375 milhões de anos, formadas em deltas de rios, seriam o melhor lugar para procurá-la (evidência fóssil). O professor Shubin e seus colegas montaram uma expedição a um local no Ártico canadense, onde tais rochas estavam expostas, e descobriram a forma intermediária prevista: um peixe com um pulso, o que eles chamaram Tiktaalik. Observe que, se essas rochas tivessem mostrado uma transição repentina sem intermediários, ou se elas estivessem cheias de coelhos, dinossauros, ou ossos de frango frito, isso teria refutado o relato evolutivo.

O livro de Coyne estabelece com muita clareza os fatos que são explicados pela evolução, todos eles exemplos de "evidências palpáveis" em prol da evolução, “que possam ser submetidas ao escrutínio do Método Científico”, cuja existência o erudito professor nega. Estas incluem: (a) a forma como as coisas vivas podem ser organizadas em famílias com base em sua anatomia, (b) abundantes formas fósseis (das quais Tiktaalik é um exemplo) mostrando como categorias biológicas diferentes são descendentes de um ancestral comum, (c) nosso conhecimento sobre como novas espécies surgem (o professor Coyne também é um dos autores do livro Speciation, mais técnico), (d) as árvores genealógicas deduzidas a partir de evidências de DNA, (e) o fato de que esses três métodos independentes - relação anatômica, registro de fósseis, e comparação de DNA – dão a mesma árvore, ou melhor, ramificação do arbusto, da vida, e (f) os exemplos de evolução que vemos ao nosso redor. Além disso, (g), podemos realizar e realizamos experimentos de laboratório que demonstram e elucidam a evolução, e (h) toda a reprodução vegetal e animal consiste em processos evolutivos atrelados aos nossos desejos, com a seleção artificial substituindo a seleção natural.

O professor Vieira apresenta dois tipos de justificativa para a sua afirmação de que a evolução não é ciência. Um deles é o fato de que ela não explica a origem da vida, do sistema solar, ou do universo. Mas isso não é um argumento real. A teoria atômica não explica a origem dos átomos, do sistema solar, ou do universo, mas ninguém duvida de que é uma teoria científica. A outra justificativa é que a evolução não explica a transformação das espécies do nível de Ordem para o nível de Família na Taxonomia Biológica aceita modernamente. Como vimos, isso não é verdade. O livro de Shubin, por exemplo, faz um relato muito claro da origem da transformação de peixes para anfíbios, e o livro A Beirad'Água, Macroevolução e a Transformação da Vida, de Carl Zimmer, descreve a transformação de mamíferos terrestres para baleias. Mas, mesmo se fosse verdade, a teoria não deve ser rejeitada apenas porque há coisas que ainda não podemos explicar. Perguntas não respondidas são tão essenciais para todos os tipos de ciência como respostas inquestionáveis são para alguns tipos de religião.

Quanto ao Criacionismo bíblico, este faz algumas reivindicações muito precisas e verificáveis. Ele afirma, por exemplo, (Gênesis 1:20 - 25), que os pássaros e baleias foram criados antes dos animais terrestres. Agora sabemos que as aves são descendentes dos dinossauros terrestres e que as baleias (artigo de revisão grátisaqui, e também o livro de Carl Zimmer mencionado acima) são descendentes de mamíferos terrestres. Portanto, temos de inferir que, se, como o professor Vieira acredita, Deus é responsável pelo conteúdo de Gênesis 1, Ele não tinha a intenção de que fosse usado como um livro de biologia. Observo, de passagem, que muitos cristãos, incluindo católicos, episcopais e metodistas, não têm nenhum problema com o fato da evolução e que somente os grupos evangélicos extremos, como adventistas do sétimo dia, ao qual o oprofessor Vieira pertence, consideram o Gênesis como um registro histórico literal.


Finalmente, isso tudo importa? Sim, para o passado do Brasil, presente e futuro. Em relação ao passado, a riqueza mineral do Brasil só pode ser entendida usando a ciência verdadeira, incluindo a evolução e sua companheira, a geoquímica de eras remotas. Por exemplo, as formações com camadas de ferro do Quadrilátero Ferrífero em Minas Gerais devem sua existência à liberação de oxigênio pela fotossíntese de bactérias há mais de dois bilhões de anos, e o petróleo e o gás da plataforma continental foram formados pela decomposição de organismos antigos no período cretáceo. O presente inclui a responsabilidade de gerir a bacia amazônica, algo que só pode ser feito com sabedoria, respeitando-se as relações evoluídas entre suas muitas espécies. E todos nós precisaremos de ciência real, e um reconhecimento da realidade científica, uma vez que a humanidade enfrenta seu futuro preocupante e instável.


Paul S. Braterman,
Professor Emeritus, University of North Texas
Honorary Senior Research Fellow in Chemistry, University of Glasgow
48 Nith Street, Glasgow G33 2AF, Scotland, UK


My first non-technical book, From Stars to Stalagmiteshttp://www.rsc.org/chemistryworld/2012/11/stars-stalagmites-everything-connects  

Support British Centre for Science Education (BCSE)  

Criacionismo X Evolucionismo

Ruy Carlos de Camargo Vieira

Engenheiro Mecânico e Eletricista, formado em 1953 pela Escola Politécnica da USP.
Auxiliar de Ensino e Professor Assistente no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (1954-1956).
Professor Emérito da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo.
Membro Fundador da Academia de Ciências do Estado de São Paulo.
Fundador e Presidente da Sociedade Criacionista Brasileira desde 1972
Membro do Conselho Federal de Educação, de 1974 a 1980.
Diretor Científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo em duas gestões, de 1979 a 1985.
Presidente da Associação Brasileira de Ensino de Engenharia em três gestões. Membro da Academia Nacional de Engenharia desde 1994. Representante do MEC no Conselho Superior da Agência Espacial Brasileira, no período de 1997 a 2003. Membro da Academia Panamericana de Engenharia desde 2006.



O Evolucionismo e o Criacionismo à luz do Método Científico
Ruy Carlos de Camargo Vieira,
Presidente da Sociedade Criacionista Brasileira 


        Um modelo (uma teoria, ou deduções tiradas do modelo ou teoria) deve ser submetido a prova, para sua convalidação. Pode decorrer bastante tempo entre a formulação de um modelo ou teoria e a sua rejeição por não poder explicar novos fatos descobertos, ou por ter feito predições que não foram comprovadas. Assim, teorias que hoje são aceitas como “científicas”, amanhã poderão ser descartadas pela própria comunidade científica, por não resistirem à prova de suas hipóteses. É este, aliás, o mecanismo de “evolução” da própria Ciência, como alguns filósofos da Ciência têm destacado em suas obras.

    Poderia, a propósito, ser citado Thomas Kuhn, que, em seu livro “A Estrutura das Revoluções Científicas”, destaca a história da mudança dos “paradigmas” científicos, como, por exemplo, as Teorias do Flogístico, do Calórico, do Éter, e outras, no campo da Física e da Química.

      Considerando os vários campos do conhecimento humano, e tentando delimitá-los, pode-se inicialmente verificar que existe um “Campo de Modelos, Teorias e Deduções”, que engloba a observação do objeto em estudo, seja diretamente, seja indiretamente mediante instrumentação, e que pode ser extrapolado para além dos seus limites. Dentro dos seus limites, evidentemente os modelos, teorias e deduções terão maior possibilidade de sucesso para descrever a realidade, pois estarão baseados em evidências palpáveis. Fora dos limites, entretanto, acaba sendo pequena a possibilidade de sucesso, pois se acaba ficando na dependência de técnicas de raciocínio que deverão substituir as evidências inexistentes. Substituir a observação pelo raciocínio, pura e simplesmente, poderá acarretar um considerável distanciamento da realidade!

      Feitas essas observações, pode-se passar à consideração do Evolucionismo e do Criacionismo perante o Método Científico. Fica claro, então, que o Criacionismo não tem, e nem alega ter, embasamento no Método Científico, pois não tem como ser submetido à prova de hipótese exigida pelo Método. Ele se baseia, na realidade, em conceitos básicos que são aceitos como verdadeiros pela fé em uma revelação. No caso do Criacionismo Bíblico, é aceita a revelação dada através dos relatos de várias naturezas que se encontram expressos direta ou indiretamente na Bíblia.

     Por outro lado, muito embora o Evolucionismo alegue ter embasamento científico, também não tem como ser submetido à prova de hipótese, pois ele se baseia em conceitos que são admitidos como verdadeiros tão somente por um ato de fé e que não têm como ser demonstrados, por constituírem um modelo teórico que faz suposições impossíveis de serem comprovadas.

  Como exemplo de hipóteses incomprováveis, tanto no âmbito do Criacionismo como no do Evolucionismo, podem-se mencionar as que se referem à origem da vida, ou à transformação das espécies do nível de Ordem para o nível de Família na Taxonomia Biológica aceita modernamente.

    Desta forma, doutrinas como o Evolucionismo, tal qual ele é apresentado na maior parte das vezes, e também o Criacionismo, não podem ser adjetivadas como “científicas”, por localizarem-se no “Campo das Conjecturas”, extrapolando de longe o “Campo de Modelos, Teorias e Deduções”, pela absoluta falta de evidências palpáveis que possam ser submetidas ao escrutínio do Método Científico. De fato, os acontecimentos aos quais ambas as doutrinas se referem situam-se numa faixa de tempo inacessível a qualquer técnica de observação experimental, ou de procedimento racional, dentro das exigências do Método Científico.

   Ambas as “doutrinas” constituem, na realidade, “estruturas conceituais” no sentido introduzido pelo filósofo da ciência Karl Popper, ou seja, posições filosóficas assumidas a priori, para a aplicação do Método Científico com vistas à compreensão dos objetos que nos circundam.

     A partir das considerações apresentadas, conclui-se que, na realidade, Evolucionismo e Criacionismo não constituem “Ciência”, mas efetivamente duas maneiras distintas e extremas (“Cosmovisões” ou “Estruturas conceituais”) de aceitar uma explicação para a origem da vida, das categorias biológicas, da nossa própria existência como seres racionais, da existência de nosso Planeta e do nosso Sistema Solar, das galáxias e a própria existência do Universo e de um Criador. A pretendida explicação transcende as potencialidades da Ciência e do Método Científico, podendo ser aceita somente por um ato de fé – seja fé criacionista, seja fé evolucionista!

    Contrariando a crença estabelecida aceita pela maioria (silenciosa?) dos que desenvolvem atividades científicas, decididamente o Evolucionismo não preenche os requisitos para ser considerado como Ciência. Ele é, filosoficamente, apenas uma estrutura conceitual!

Brasília, 21 de novembro de 2012. 

Do mesmo autor leia também Compreensão da controvérsia entre o Criacionismo e o Evolucionismo.

Para entender mais sobre essa polêmica, clique em
*  Criacionismo X Evolucionismo.
* Evolucionistas versus criacionistas - Guia do Estudante, Abril Cultural


Só preto, sem preconceito (Em 17/10/12)












Adriana Maria Paulo da Silva é licenciada e bacharel em História pela UFF; é mestra em educação pela UFF e doutora em História pela UFPE. Atua como professora Adjunta do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino da UFPE e é professora do Programa da Pós-graduação em Educação da UFPE. É a autora de Aprender com perfeição e sem coação: uma escola para meninos pretos e pardos na Corte (Plano, 2000) entre outros livros.





Proibida a entrada de brancos
Adriana Maria Paulo da Silva

O professor Pretextato conduziu a primeira escola exclusiva para “pretos e pardos” no século XIX

       O ingresso e a permanência das populações não brancas nas escolas brasileiras mobilizam importantes discussões e esforços há muitos anos. No tempo da escravidão, um grupo de pais de meninos “pretos e pardos” residentes na cidade do Rio de Janeiro enfrentou o desafio de escolher um professor “preto”, Pretextato dos Passos e Silva, para os seus filhos e de ajudá-lo a manter uma escola específica para eles.

       Em teoria, a partir da lei de 1854, as escolas públicas do Império deveriam aceitar alunos de qualquer cor, desde que fossem livres – incluindo os escravos alforriados –, vacinados e não portadores de doenças contagiosas. As escolas particulares podiam selecionar seu público de acordo com a vontade de seus donos, desde que os interessados fossem saudáveis também. E nos dois casos, a convivência, às vezes, poderia se tornar um conflito racial. Por isso, pais dos “meninos pretos e pardos” fizeram um abaixo-assinado para que a escola do professor Pretextato continuasse funcionando. Segundo eles, seus filhos aprendiam mais do que em experiências anteriores. As razões do sucesso daquela escola não foram explicadas no abaixo-assinado, e sim pelo próprio professor, de acordo com suas intenções na época.

     O documento compunha um dossiê que Pretextato preparou para solicitar ao Inspetor Geral da Instrução Pública – o então responsável pela educação básica da Corte – dispensa de uma prova muito importante para os professores da época: a de capacidade profissional. A partir de 1854, todos os docentes públicos e particulares da cidade que quisessem continuar dando aulas ou manter abertas suas escolas eram obrigados a fazer este exame. E, ao que parece, esta era uma prova bastante difícil: tinha uma parte escrita e outra oral. Os examinadores eram, além do Inspetor Geral, pessoas convidadas por ele. Em 1856, por exemplo, apenas 31 dos 77 avaliados foram aprovados.

      Pretextato não queria fazer aquela prova e, para se livrar dela, reuniu vários documentos, dentre os quais o abaixo-assinado dos pais. Seu objetivo: demonstrar que era um bom professor, que seu trabalho era socialmente aprovado e reconhecido e que a sua escola merecia continuar aberta.

      No processo encaminhado em 1856 à Inspetoria Geral da Instrução Pública – órgão responsável pela fiscalização do setor na então capital –, em que pede autorização para que sua escola siga funcionando, Pretextato conta como e por que ela foi criada.

      O professor relata que “em algumas escolas ou colégios, os pais dos alunos de cor branca não querem que seus filhos ombreiem com os de cor preta”, e que por isso os professores geralmente “repugnam admitir os meninos pretos”. Os que são admitidos “na aula não são bem acolhidos; e por isso não recebem uma ampla instrução, por estarem coagidos”. Ele confirma ainda que, pelo fato de também ser “preto”, foi “convocado por diferentes pais de famílias” para que abrisse em sua casa uma “pequena escola de instrução primária, admitindo seus filhos da cor preta, e parda”.

      Pelas regras criadas em 1854, era preciso atender a algumas condições para receber a licença de professor: ser maior de 25 anos, possuir “atestados de moralidade” e redigir uma declaração explicando qual havia sido seu meio de vida nos cinco anos anteriores. Para os donos de escolas, era exigido também um programa de estudos e o regulamento do estabelecimento, além da descrição do estado físico do local. Por fim, era necessário fornecer uma lista com nomes e habilitações de todos os professores que ali trabalhavam.

      Pretextato apresentou os atestados, mas nada sobre sua vida passada, anterior à abertura de sua escola. No processo não consta sua idade nem o que fazia antes de ser professor. Havia apenas seu endereço (Rua da Alfândega, 313, no Centro do Rio), a lista de matérias que ensinava, duas declarações (uma fornecida por seu vizinho e outra pelo inspetor do quarteirão onde morava) e os nomes dos quinze pais de seus alunos (com dois abaixo-assinados feitos por eles defendendo a continuidade da escola) e de pessoas que o conheciam (com um terceiro abaixo-assinado).

      Os documentos com quinze assinaturas de responsáveis por alunos atestavam o bom comportamento e a competência do professor. “Nós lhe estamos muito obrigados (a Pretextato) e muito satisfeitos com o seu ensino, moralidade e bom comportamento”, dizia um dos textos. A maioria dos pais (77%) e todas as mães eram analfabetas, já que apenas seis homens assinaram seus nomes. E entre os que assinaram os nomes, quatro tinham letra sofrível, o que indica que não estavam acostumados a escrever.

      Essas informações mostram que quase todos os alunos vinham de famílias humildes, com baixo nível de instrução – dois homens e duas mulheres que assinaram a lista nem tinham sobrenomes. A expectativa desses pais era apenas que seus filhos pudessem “saber alguma coisa, ainda que não seja com perfeição, ao menos melhor do que até agora”, e que saíssem da escola sabendo “ler alguma coisa desembaraçado, escrever quanto se pudesse ler, fazer as quatro espécies de conta, e alguma coisa de gramática”. De fato, no programa da escola constavam aulas de leitura, escrita, das quatro operações básicas da aritmética e de doutrina (religião).

     Os pais dos alunos explicam também que pediram a ajuda de Pretextato porque algumas crianças “tinham de entrar (na escola) naquele ano”, provavelmente numa alusão ao decreto do ministro dos Negócios do Império, Luís Pedreira do Couto Ferraz, que obrigava todos os maiores de sete anos a assistirem a aulas, mesmo que em casa, sob pena de multa.

     Era comum os professores tentarem “fugir” do exame. Pretextato foi um dos que pediram para não serem avaliados pela Inspetoria Geral, alegando o seguinte: “como o suplicante, se bem que não ignora estas matérias; contudo é assaz acanhado, para em público responder com prontidão a todas as perguntas de um exame”. Ele acrescenta que não se recusaria a fazer a prova “se não conhecesse a sua falta de coragem”. O interessante para quem lê o documento é verificar como Pretextato mudou o tom do seu discurso: num momento fez uma crítica inflamada ao racismo vivenciado pelos meninos e no outro se assumiu “tímido”.

      A timidez para falar em público era a justificativa apresentada pela maioria dos professores que pediam dispensa da prova. Em geral, os pedidos como esses eram negados pelo Inspetor Geral e ex-ministro da Justiça Eusébio de Queirós (1812-1868), mas o de Pretextato foi aceito. A autorização para funcionamento da escola também foi concedida, mesmo com poucas informações sobre a vida do docente no processo. E isto faz também do caso Pretextato algo especial: as autoridades eram muito exigentes com relação à documentação das escolas e dos professores, mas não o foram neste caso.

      Em sua recomendação, Eusébio de Queirós dá pistas de que, ao aceitar a demanda de Pretextato, levou em conta o caráter único de sua escola. Ele até demonstra simpatia pela ideia ao destacar a “conveniência de haver mais estabelecimentos em que possam receber instrução os meninos (negros) a que se refere o suplicante (o professor Pretextato)”.

      Em 1871, a escola ainda funcionava na Rua da Alfândega, e há registros de que em 1872 ela continuava contando com 15 alunos, mas não se sabe quem eram eles. Por essa época, o professor se mudou para uma rua paralela, a Senhor do Passos. Em 1873, acabou sendo despejado e teve seu material de trabalho penhorado pela Santa Casa de Misericórdia em consequência do não pagamento dos aluguéis de março e abril daquele ano. Terminava assim a experiência, talvez pioneira e única, do professor Pretextato. Os pesquisadores não encontraram qualquer registro de outra escola deste tipo, com estas motivações, no século XIX.

      Nos colégios públicos de primeiras letras de Minas Gerais, por exemplo, num período muito próximo ao da iniciativa do professor Pretextato, a grande maioria dos alunos era composta de pardos. No Rio de Janeiro, em 1836, a escola primária da freguesia de Santana abrigava cinco meninos forros entre os seus 100 alunos. Sem contar com duas crianças alemãs que estudaram lá, não se pode dizer que os outros 93 alunos eram brancos, porque não há informações sobre as cores dos outros meninos. É bem provável que houvesse muitos “pardos” entre eles. Na Zona da Mata de Pernambuco, no mesmo período, mais de 20% dos alunos eram não brancos.

     Apesar de ter tido conhecimento da existência de uma escola racializada, o governo do Império nunca investiu nesse tipo de proposta educacional. Também nunca investiu na criação de leis que dividissem racialmente o público que poderia frequentar os espaços de instrução, tanto na condição de alunos como na de professores.

      Ao que parece, a imensa maioria da população não branca que teve condições de colocar seus filhos e filhas em escolas não “optou” pela criação de instituições étnicas. Em vez disso, enfrentou e venceu o racismo no dia a dia.


Da autora leia também
http://www.coresmarcasefalas.pro.br/adm/anexos/11122008003024.pdf

Artigo de Braulio Tavares - Sexta-feira, 10/06/11.

        Atendendo gentilmente a uma sugestão do Letras, o autor, compositor e pesquisador Braulio Tavares postou o artigo que se segue em seu blog Mundo Fantasmo, cedendo sua exibição a este blog.

O final onírico
Braulio Tavares

 blackandwtf.tumblr.com

Um subgênero interessante do conto fantástico são as histórias de final onírico. Numa narrativa protocolarmente realista começam a acontecer coisas estranhas, impossíveis. A narrativa avança, e quando chega ao clímax, nas últimas linhas, o autor diz: “Pois tudo aquilo tinha sido um sonho!”. Isto se tornou um clichê tão reiterativo que a enorme maioria dos manuais literários do tipo Como Escrever um Conto risca do mapa essa possibilidade, logo de cara: “Não faça isto! Todo mundo já fez! Ninguém aguenta mais!”.
Às vezes é um sonho propriamente dito, porque o protagonista adormeceu na poltrona. Outras vezes é uma alucinação provocada pela bebida ou alguma outra droga. Outras vezes uma história contada por um narrador pouco confiável (“Um esqueleto”, de Machado de Assis). Ou um estado de devaneio momentâneo, estado alterado de consciência que faz o personagem “viver” mentalmente uma situação surreal, mesmo desperto (“A chinela turca” de Machado de Assis). Ou então um delírio criativo de um escritor que confunde a realidade com as visões que registra no papel (“Demônios”, de Aluísio Azevedo). Mas o desfecho obedece à mesma mecânica: “não, caro leitor, nada disto aconteceu, era tudo uma ilusão”.
A crítica principal que se pode fazer a esse tipo de história é que ele se constitui numa espécie de fraude literária, onde o leitor é induzido a fazer um investimento de energia emocional (identificando-se com os personagens, preocupando-se com os perigos que correm, etc.) para no final ser informado de que esse investimento foi em vão, pois não havia nada em jogo. Argumento válido – mas contra ele pode-se dizer que, sendo assim, toda literatura é uma fraude, uma vez que nem Madame Bovary nem os irmãos Karamazov existem de fato, tudo não passou de um sonho sonhado de outra forma. (Dever de casa: Produzir um argumento irrefutável, contra ou a favor desse subgênero).
Creio que essas histórias são, antes de tudo, um sintoma. Um estudo sério da ficção fantástica precisa levá-las em conta, porque elas exprimem, a meu ver, a difícil negociação íntima do autor que tem uma ideia fantástica mas está escrevendo num contexto literário e social em que tais ideias são esnobadas ou temidas. O romance realista foi o clímax da literatura da burguesia, que expulsou do mundo (ou julgava ter expulsado) o sobrenatural, que a burguesia ascendente identificava com seu adversário histórico, a religião. O autor precisa, portanto, criar uma moldura realista para sua história visionária. O conto, por medida de precaução, começa “aqui” (o território do Real, literariamente permitido), vai para “lá” (o fantástico, o estranho, o maravilhoso) e no fim volta para “aqui”. A ida só é permitida se a volta for obrigatória. Existe um ensanduichamento da história (peço perdão por este termo bárbaro), para que o leitor não tenha que pegar com a mão no conteúdo fantástico, e o faça protegido pelas duas camadas de realismo que o protegem.

Ave migratória? (Em 23/05/12)

Professor Pasquale Cipro Neto









"A verdadeira libertação - é sempre bom repetir - não consiste em esconder, mas em apresentar. Não se pode, por decreto, eliminar um termo que tem largo emprego nos registros formais."






Ave migratória?

       “Vejo na televisão e no rádio que o ‘cujo’ bateu asas e voou. Virou ave migratória.” Extraído de um dos últimos escritos de Otto Lara Resende na Folha de S. Paulo, o fragmento serviu de mote para uma questão de um dos vestibulares da Unicamp, que tinha este enunciado: “O comentário acima refere-se ao fato de que o uso do pronome relativo ‘cujo’ é cada vez menos frequente. Isso faz com que os falantes, ao tentarem utilizar esse pronome na escrita, construam sequências sintáticas que levam a interpretações estranhas”. Em seguida, a banca exemplificava a afirmação com este trecho do “Painel do Leitor”, da Folha de S. Paulo: “E que a esse PFL e a Brizola (cuja ficha de filiação ao PDT já rasguei) reste a vingança do povo”. Por fim, os examinadores pediam aos candidatos que indicassem “o que o leitor pretendeu dizer com a oração entre parênteses” e “o que ele disse literalmente”.

       Talvez não seja preciso muito esforço para que se entenda o que disse literalmente o leitor. O todo-poderoso rasgou a ficha de filiação de Brizola ao PDT, o que se deduz da passagem “cuja ficha (...) rasguei”, em que o relativo “cuja”, cujo antecedente é “Brizola”, estabelece relação de posse entre “Brizola” e “ficha”. Em última análise, a ficha em questão é de Brizola. Também parece óbvio que a intenção dele era dizer que rasgou a própria ficha de filiação ao PDT.

É incontestável a afirmação de que, nas variedades não formais da língua, o uso do relativo “cujo” é cada vez menos frequente. Também é incontestável a afirmação de que frases em que se verifica seu emprego são incompreensíveis para boa parte da população brasileira. Contestabilíssima é a teoria de que, por essas razões, o pronome “cujo” deve ser abolido do ensino do idioma. A verdadeira libertação é sempre bom repetir não consiste em esconder, mas em apresentar. Não se pode, por decreto, eliminar um termo que tem largo emprego nos registros formais.

Em seu ótimo “Fundamentos de Gramática do Português”, o ilustre professor José Carlos de Azeredo assinala que as formas “cujo”, “cuja”, “cujos” e “cujas” são exclusivas das variedades formais da língua. De fato, na linguagem coloquial e na popular, o pronome “cujo” costuma dar lugar ao “que”, espécie de relativo universal: em vez de “Aquela moça, cujo pai é senador...”, por exemplo, emprega-se “Aquela moça, que o pai é senador...”. Também ocorre o emprego do “que” e de um possessivo, posto adiante: em vez de “Aquela moça, com cujo irmão você estuda...” emprega-se “Aquela moça, que você estuda com o irmão dela...”.

Diz o professor Evanildo Bechara que, “embora a língua padrão recomende o correto emprego dos relativos, o relativo universal se torna, no falar despreocupado, um elemento linguístico extremamente prático” (a expressão em itálico é de Kristofer Nyrop, citado por Bechara). Pelo que se vê das questões de vestibulares como o da Fuvest e da Unicamp, o conhecimento do emprego do relativo “cujo”, em se tratando da língua culta, está longe de ser ave migratória.

Por fim, convém notar que, em textos jornalísticos, são cada vez mais comuns construções como esta: “Prevista para ser inaugurada em dezembro, a nova pista da Imigrantes reduzirá...”. O que se diria: “A nova pista da Imigrantes está prevista para ser inaugurada em dezembro” ou simplesmente “A inauguração da nova pista da Imigrantes está prevista para dezembro”? Parece claro que se optaria pela segunda, o que equivale a dizer que a construção “Prevista para ser inaugurada em dezembro, a nova pista...” deve ser substituída por “Está prevista para dezembro a inauguração da nova pista da Imigrantes, que reduzirá...” ou por “A nova pista da Imigrantes, cuja inauguração está prevista para dezembro, reduzirá...”. Como se vê, em alguns casos não faltam bons caminhos para os que quiserem fugir do (moribundo?) “cujo”.

Até a próxima. Um forte abraço.

Redação e Recursos Humanos (Em 27/08/11)

"Escrever é uma
questão de treino e é
passível de ser aprendida."


A importância da redação no processo seletivo de recursos humanos

Bianca Kuroce Manzini - 2º Ten QCOA PSE

Escrever é um ato de liberdade, é um momento de expressão do modo peculiar de olhar a vida. Escrever bem é uma tarefa difícil, que exige, além das capacidades cognitivas – raciocínio, organização dos pensamentos e concentração –, uma clara colocação de ideias e valores próprios. Muitos são os concursos, seleções de empresas que pedem aos candidatos para elaborarem uma redação no processo seletivo. O que devo escrever? Como devo escrever?

Não há como negar que, diante de um processo seletivo, a pressão é grande, medos e ansiedades são suscitados, e um bom preparo técnico e controle emocional são fatores importantíssimos para a elaboração de uma boa redação. Mas por que se utilizam da redação?

Por meio da expressão escrita, o candidato projeta sua identidade e seus valores subjetivos de como examina o mundo e codifica suas experiências. Pode-se perceber como o candidato realiza o julgamento de valor no exame dos fatos, como sua experiência afetiva é expressa, seja em maior ou menor grau de maturidade. Ainda é possível traduzir as fantasias e a posição pessoal frente ao ambiente.

Os dinamismos subjetivos, desde o início da existência, dependem da natureza social da espécie; ao mesmo tempo em que refletem a singularidade do indivíduo humano, convergem, no decorrer do desenvolvimento, para a adaptação flexível e criadora da realidade. A redação pode ser fonte de expressão e projeção. Pode mostrar como é a autopercepção do candidato e como expressa sua ótica frente ao mundo.

Geralmente em processos seletivos, é pedido para se discorrer sobre um tema livre ou um tema dirigido, com apoio de textos, ou apenas uma frase de reflexão. Os assuntos são inesgotáveis, mas produzir um bom texto é uma conquista, é uma habilidade adquirida com a prática; isso significa que não adianta querer, de um dia para o outro, redigir textos excepcionais e brilhantes. Primeiramente, devemos ter em mente que a habilidade de escrever só chega para quem pratica muito e exercita a leitura. Para atingir uma maturidade emocional que repercutirá sobre a produção, é necessária a experiência, assim o exercício e a prática são fundamentais. Além disso, a leitura auxilia na construção de uma boa redação, pois, por meio dela, é possível adquirir vocabulário e perceber estilos e maneiras de expressar os pensamentos.

O tema da redação, quando é livre, proporciona ao candidato a opção da escolha de um assunto, que, geralmente, é algo que ele domina ou com que se identifica. Isso, de certa forma, ajuda no alívio da tensão sobre uma situação nova. O que interessa nesses textos é avaliar a capacidade de estruturar as ideias, de raciocinar sobre um problema ou tema e também o domínio do português.

Ainda assim, alguns selecionadores preferem definir o tema, para testar também se o profissional está bem informado e tem bom nível de conhecimentos gerais, além de observar como o candidato coloca suas ideias e valores diante de uma nova situação. O efeito surpresa proporciona ao candidato uma expressão de seus pensamentos mais verdadeiros e autênticos, mesmo que seja possível um controle da consciência.

Assim, escrever é uma questão de treino e é passível de ser aprendida. Os processos de aprendizagem seguem algumas etapas: Motivação – Objetivo – Preparação – Obstáculo – Respostas – Reforço e Generalização. No caso da Redação, não é diferente. É importante para quem produz um texto estar motivado (querer aprender, produzir), traçar um objetivo (ideias soltas, opiniões), se preparar (leituras), enfrentar obstáculo (diversos temas), buscar respostas (produção de textos), ter o reforço (autocrítica diante do texto produzido) e aplicar a generalização (revisão e produção final do texto).

A redação é sempre uma produção singular, e a opinião expressa, seja ela qual for, será bem aceita se for bem apresentada. Portanto sempre valorize a objetividade e a clareza na exposição de suas ideias.


Dicas para fazer uma boa redação:

  • Use linguagem simples
  • Preze pela boa estética (letra legível, parágrafo)
  • Evite rasuras
  • Não use gírias
  • Evite frases de uma palavra ou de efeito
  • Não abrevie
  • Evite termos em inglês
  • Evite metáforas (no que se refere especificamente à dissertação)
  • Tenha cuidado com a redundância
  • Varie o vocabulário
  • Evite frases longas
  • Fique atento ao uso das letras maiúsculas e aos parágrafos
  • Apresente sua opinião
  • Faça uma revisão


Bianca Kuroce Manzini - 2º Ten QCOA PSE

Psicóloga Escolar/Educacional da EEAR. Chefe da Seção de Orientação Escolar. Formada pela UniFMU. Especialista em Psicopedagogia pela PUC-SP. Especialista em Psicodiagnóstico pela Prova de Rorschach pela Sociedade Rorschach de São Paulo.



Para ler mais sobre esse assunto, click em O valor da opinião.


Erro ou inadequação? (23/02/2012)

Profª Drª Paula Tatianne Carréra Szundy









"... precisamos adequar a linguagem ao contexto e optar pela variante mais adequada à situação de comunicação, preceito básico para participação nas diversas práticas letradas em que nos engajamos no mundo social."






A divulgação da lista de obras aprovadas pelo Programa Nacional de Livros Didáticos (PNLD) para o ensino da língua portuguesa na Educação de Jovens e Adultos (EJA) provocou verdadeira celeuma na imprensa e comunidade acadêmica sobre a aprovação de obras com “erros” de língua portuguesa.

Frases como “Nós pega o peixe”, “os menino pega o peixe”, “Mas eu posso falar os livro” e outras que transgridem a norma culta, publicadas no livro Por uma Vida Melhor, aprovado pelo PNLD e distribuído em escolas da rede pública pelo MEC, causaram a indignação de jornalistas, professores de língua portuguesa e membros da Academia Brasileira de Letras.

O grande incômodo, relacionado ao fato do livro relativizar o uso da norma culta, substituindo a concepção de “certo e errado” por “adequado e inadequado”, retrata a incompreensão da imprensa e população em relação ao escopo de atuação de pesquisadores que se ocupam em compreender e analisar os usos situados da linguagem.

A polêmica em torno desse relativismo assim como a interpretação deturpada de pesquisas na área da linguagem não são novas. Em novembro de 2001, na reportagem de capa da Revista Veja, intitulada “Falar e escrever bem, eis a questão”, Pasquale Cipro Neto dirigiu-se ofensivamente a pesquisadores da área de linguagem que defendem a integração de outras variedades no ensino de língua portuguesa como uma corrente relativista e esquerdistas de meia pataca, idealizadores de “tudo o que é popular – inclusive a ignorância, como se ela fosse atributo, e não problema, do "povo" (Fonte, Veja Online, consultada em 20.05.2011).

Mais de uma década após a publicação dos PCN e da instituição do PNLD de Língua Portuguesa, ambos frutos das pesquisas desses estudiosos relativistas, a imprensa e população continuam a interpretar de forma deturpada a proposta de ensino defendida nas diretrizes curriculares e transpostas didaticamente nas coleções aprovadas no PNLD.

Tal deturpação ressalta um problema sério de leitura, muito provavelmente decorrente da prática cristalizada historicamente de se ensinar a gramática pela gramática, de forma abstrata e não situada. Pois, ao situar e inscrever as frases incorretas responsáveis por tanto desconforto no contexto concreto em que foram enunciadas, fica clara a intenção da autora de mostrar que precisamos adequar a linguagem ao contexto e optar pela variante mais adequada à situação de comunicação, preceito básico para participação nas diversas práticas letradas em que nos engajamos no mundo social.

Assim, ao contrário de contribuir para uma agenda partidária de manutenção da ignorância, acusação levianamente imputada ao livro e ao PNLD (e, portanto, aos estudiosos da linguagem), os “erros” em questão, se interpretados contextualizadamente e explorados de forma interessante em sala de aula, contribuem para o desenvolvimento da consciência linguística, mostrando que, apesar de todas as variedades serem aceitáveis, o domínio da norma culta é fundamental para a efetiva participação nas diversas atividades sociais de mais prestígio.

Se, portanto, situarmos a linguagem, não há razão para polêmica ou desconforto e a crítica daqueles preocupados em garantir o ensino da norma culta torna-se absolutamente nula, sem sentido. O niilismo dessa crítica está claramente estampado no enunciado de Pasquale, citado naquela reportagem de uma década: "Ninguém defende que o sujeito comece a usar o português castiço para discutir futebol com os amigos no bar", irrita-se Pasquale. "Falar bem significa ser poliglota dentro da própria língua. Saber utilizar o registro apropriado em qualquer situação. É preciso dar a todos a chance de conhecer a norma culta, pois é ela que vai contar nas situações decisivas, como uma entrevista para um novo trabalho". (Fonte, Veja Online, consultada em 20.05.2011)

A relativização veementemente criticada parece, por fim, ter sido tomada como verdade no interior do mesmo enunciado.

Dez anos depois, vemos em livros didáticos a possibilidade de formar poliglotas na língua materna. Isso é, sem dúvida, um progresso. Resta ainda melhorar as leituras da população sobre os estudos situados da linguagem.

Indicamos abaixo o link para a notícia citada de 2001, assim como outros artigos e vídeos com o posicionamento de estudiosos da linguagem acerca da polêmica com os livros didáticos de LM.

Reportagem capa de Veja, novembro de 2001.


Nota da Ação Educativa




Vídeo na ZHDigital (Entrevista com Prof. Pedro Garcez, UFRGS e Profa. Lúcia Piccoli, Unisinos


Artigo do Prof. Marcos Bagno, UNB


Artigo do Prof. Sírio Possenti, Unicamp


Matéria de sábado, 21.05.2011, da Gazeta do Povo de Curitiba
http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1128255

Entrevista com o Ataliba Castilho, idealizador do Museu da LP, publicada no IG em 23.05.2011.
http://colunistas.ig.com.br/poderonline/2011/05/22/autor-de-nova-gramatica-diz-ser-dificil-brasileiro-seguir-regras-da-lingua-portuguesa/

Paula Tatianne Carréra Szundy

Presidente da ALAB, biênio UFRJ 2009-2011