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SENAC pega fogo em noite de autógrafos quente! (Em 06/06/16)


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Com os equipamentos de incêndio devidamente guardados, nada apagaria o fogo da noite de autógrafos


      
       Uma das características peculiares do fogo é que ele se espalha rapidamente. Assim aconteceu durante a noite de autógrafos de Era do Fogo, da escritora Larissa Faria de Souza, quando um sentimento de alegria e satisfação se alastrou no grupo de convidados que esteve presente no SENAC de Guaratinguetá, no dia 3 de junho de 2016.       

       O Letras esteve lá para prestigiar esse novo talento e descolou uma entrevista com a mais nova escritora valeparaibana.
L.A.: Oi, Larissa, tudo bem?

LARISSA: Oi, oi...

L.A.: Primeiro de tudo, parabéns, felicidades para você e sucesso nessa empreitada.

LARISSA: Muito obrigada!

L.A.: Eu queria que você falasse um pouco sobre o que é o livro.

LARISSA: A Era do Fogo, então, como eu falei, é uma aventura cheia de tramas; tem romance, tem um pouquinho de suspense, drama. Eu foquei nesses três personagens principais, o capitão, a escrava e o lorde. E eles começam aventuras diferentes, separadamente, e eles vão descobrindo a Era do Fogo juntos  ̶  juntos não, perdão  ̶  separadamente, depois eles acabam se encontrando e eles vão descobrindo a Era do Fogo no decorrer da história.

L.A.: E em que você se inspirou para escrever a Era do Fogo?

LARISSA: Então, como eu falei, em Imperatriz dos etéreos, que é o livro de uma brasileira inclusive, Laura... Agora me fugiu o segundo nome dela [a autora fazia referência a Laura Gallego Garcia] e foi meu livro por muito tempo. É uma fantasia... Aí teve Harry Potter, que eu cresci assistindo também. E as Crônicas de Gelo e Fogo, que foram a última inspiração, a inspiração final.

L.A.: E você disse aqui, na sua fala, que, por causa do projeto da professora de português, quando você tinha sete anos, você começou a escrever, daí não parou mais.

LARISSA: Não parei mais.

L.A.: E você tem alguma outra produção que não publicou ainda?

LARISSA: Tenho; várias pra falar a verdade.

L.A.: É? Livros?

LARISSA: Livros. Porque eu nunca tive coragem de publicar nada. Assim, talvez eu tenha que finalizar, mudar algumas coisas, mas eu tenho vários projetos.

L.A.: Você começou a ler cedo, ?

LARISSA: Sim.

L.A.: E o que a fez trocar as bonecas pelos livros?

LARISSA: Olha, pra falar a verdade, eu nunca troquei, eu sempre lia com a boneca embaixo do braço. Meu primeiro presente, antes de eu nascer, foi uma coleção de livros. Então eu nasci e cresci tendo contato com livros.

L.A.: Teve uma influência forte dos seus pais também, ?

LARISSA: Muito forte.

Os pais de Larissa, os Suboficiais da Aeronáutica Lemos e
Rogéria Faria, orgulhosos ao lado da filha

L.A.: Isso é importante, , Larissa? Tem que ter um incentivo, e o primeiro vem da família, ?

LARISSA: Ah, é. Tem que ter um incentivo, não é?

L.A.: "Brasileiro não gosta de ler", é o que se costuma dizer. Na sua opinião, isso é verdade?

LARISSA: Não, eu acho que não é verdade. Eu acho que o brasileiro gosta de ler sim. Eu acho que a gente tem mania de focar no negativo, certo? Os índices sempre mostraram que a maioria não gosta, mas esse índice tem mudado.

L.A.: E, hoje em dia, a gente vê bastantes escritores na sua faixa etária fazendo sucesso, e você com certeza vai ser mais uma, não é?

LARISSA: Com certeza, com certeza.

L.A.: Você já falou dos autores que serviram como referência...

LARISSA: Já, já. George R. R. Martin, a J. K. Rowling, a Laura [Gallego Garcia]. É, são esses...

L.A.: Certo. “Ninguém deveria passar por essa vida sem ler...”. Que obra você diria que as pessoas têm que ler, não podem deixar de ler.

LARISSA: O Pequeno Príncipe. Em qualquer idade, a qualquer momento, todo mundo tem que ler O Pequeno Príncipe.

L.A.: E como os seus colegas passaram a ver você depois do ingresso na vida literária?

LARISSA: Nossa! Eles ficaram tão orgulhosos! Parecia que eles eram meus pais, para falar a verdade. Eles ficaram muito emocionados, ficaram muito orgulhosos.

L.A.: E que atores você gostaria de ver interpretando seus personagens, os principais: Capitão Klaus, a escrava e o lorde?

LARISSA: [Risos] Então, vou focar no internacional, vou ser ambiciosa aqui. Eu gosto muito do Ethan Hawk, que é um ator que todo mundo conhece, todo mundo já viu um filme dele. Eu gosto do Hounsou... Eu esqueci agora o nome todo dele... [a autora se referia a Djimon Gaston Hounsou]. Ele é um ator negro.

L.A.: E a escrava?

LARISSA: Não sei. A escrava é uma coisa a pensar...

L.A.: E pra finalizar aqui nossa conversa: a literatura tem o poder de mudar o mundo?

Convidados em noite de autógrafo no Auditório do
SENAC Guaratinguetá

LARISSA: Com certeza. A literatura molda pensamentos, muda o seu jeito de ver as coisas, de agir. Então eu acho que sim, muda o mundo sim.

L.A.: Então que você mude o nosso mundo pra muito melhor.

LARISSA: Ah, eu assim espero.

L.A.: Parabéns e felicidades.

LARISSA: Muito obrigada.

Larissa Faria de Souza
       Se você quer levar essa fantástica aventura para casa, a dica é comparecer ao Buriti Shopping de Guaratinguetá, no dia 11 de junho, a partir das 17 horas, na livraria Nobel, onde a autora estará autografando seu livro (Evento já ocorrido).

       Assim como o fogo avança livre e veloz, desejamos que a chama benéfica de Era do Fogo incendeie e aqueça o coração de mais e mais leitores. 
O Letras é fogo!

De pai para pais e filhos (Em 26/10/15)

      Da direita para a esquerda, Mauricio Murad, 
o casal Marcelo e Daniella Menezes e seu filho Adriano
 
       O sociólogo e escritor Mauricio Murad lançou seu mais recente livro na tarde do último sábado, 24 de outubro, na elegante livraria Mini Book Store, no Museu da República, no Rio de Janeiro. Histórias que meus filhos não me contaram – pequenas crônicas para pais e filhos entre o real e o ficcional brinda o leitor com narrativas ágeis, colhidas no cotidiano entre um pai e seus filhos, sempre alinhavadas pelo espírito investigativo e desinibidamente inquiridor das crianças, o que não raro resulta em situações cômicas, ainda que às vezes involuntárias. Mesmo com toda a presença do humor, o livro é uma reflexão sobre a importância em se estreitar o convívio entre pais e filhos, algo quase esquecido nos dias de hoje. O Letras esteve lá para conferir essa concorrida tarde de autógrafos e de quebra ainda conseguiu uma deliciosa entrevista com o simpático autor. Confira o bate-papo.


Letras – O que motivou você a escrever essas crônicas de pais e filhos?

Mauricio Murad – Na verdade são aquelas histórias que as crianças, todas as crianças, pela criatividade delas, pela espontaneidade, sempre falam, criam na nossa frente. Elas não nos contam como histórias, mas a gente acaba ouvindo como histórias. E são histórias de grande sabedoria, de grande questionamento, de grandes ideias sobre a vida, sobre relacionamento entre pais e filhos. Então eu fui juntando isso ao longo de vários anos e resolvi escrever um livro de pequenas histórias, histórias curtas, sem grande elaboração, mas que retratassem exatamente essa atmosfera de afeto, de carinho, de espontaneidade, de originalidade que as crianças têm, especialmente quando nos questionam e às vezes nos deixam sem resposta. Então, eu digo para os meus filhos, eles são coautores desse livro. Eles não me contaram essas histórias, mas eu ouvi como histórias e estou agora repassando para todo mundo como histórias.

Letras – E o que lhe dá mais prazer: escrever artigos mais científicos, sobre esportes, sociologia, ou crônicas?

M – O que me dá mais prazer é escrever sobre ficção. É escrever crônicas, romances, contos, que eu já tenho... Esse é o meu sexto livro na área de ficção. Eu gosto também muito da área da pesquisa, do ensaio, do trabalho científico, mas a ficção é a que eu acho que nos dá maior liberdade, maior criatividade e às vezes a gente consegue, através da ficção, falar de uma maneira muito mais profunda e um alcance muito maior do que o texto científico. Eu realmente gosto muito mais da ficção.

Letras – Todo escritor tem um desejo interno, uma espécie de inquietação, de querer ver que alguma coisa da sua obra contribuiu numa mudança de comportamento na sociedade. O senhor também tem esse sonho? E, com esse livro, gostaria de ver algo transformado nas pessoas que o lerem?

M – Olha, começando pelo final; com esse livro, eu gostaria ― como e eu termino o livro dizendo isso ― que os pais, ao invés de dar presentes para os filhos, dessem presenças; sentassem no chão, ouvissem, conversassem, dialogassem, porque, se fizermos isso, a gente contribui pra melhorar um pouquinho da estupidez humana. Albert Einstein ― e está no livro isso ― tem uma frase em que ele dizia: “Só há duas coisas infinitas: o universo e a estupidez humana. E eu tenho dúvidas em relação ao universo” (risos). Então, é genial! Então, eu acho que, se a gente sentar com afeto, com carinho, ouvir, relatar, trocar ideias com as crianças, em síntese, mais presença do que presentes, a gente pode não resolver, mas melhorar um pouquinho a estupidez humana. Esse é o meu sonho, com este livro, contribuir um pouquinho, um pouquinho pra isso. E, com a minha obra, eu tenho a alegria de ter iniciado na universidade brasileira os estudos permanentes de sociologia do futebol, e eu acho que isso contribuiu muito, especialmente pra denunciar e combater a violência. Então, esse foi um sonho parcialmente realizado e agora com esse [livro] eu pretendo que seja um sonho, quem sabe também, mesmo que parcialmente, realizado.

Letras – Então, podemos dizer que o público de seu novo livro são tanto os pais, quanto os filhos.

M M – Exatamente! São crônicas para pais e filhos. A intenção é exatamente essa, que pais e filhos possam se encontrar nesse livro. É isso que eu desejo.

Letras – Aproveitando a oportunidade, já que o senhor é uma autoridade nos assuntos esportivos, não poderíamos deixar de perguntar, sobre as Olimpíadas de 2016, que impactos o senhor acredita que elas poderão trazer às políticas de melhorias sociais e aos esportes em geral no Brasil?

M M – Infelizmente eu acho que nós estamos muito atrasados com aquilo que seria a coisa mais importante dos jogos olímpicos, que seria o legado: o legado do plano da segurança pública, o legado do plano da educação esportiva integrada à educação geral das escolas, o legado em termos de equipamentos esportivos comunitários... Infelizmente estamos muito atrasados. Mas o que eu desejaria, mais do que a vitória por medalhas, era esse legado, a herança que os jogos podem deixar, em termos educacionais e sociais. Infelizmente, volto a dizer, estamos atrasados e estamos deixando talvez passar uma nova oportunidade, já que deixamos passar a Copa do Mundo também. Mas isso seria mais importante do que os jogos, do que a competição, do que o esporte, é o legado social, cultural, um pouco mais de valores, de ética. Nós estamos no Brasil com as instituições muito vazias de valores, de ideologias, de sentidos, de projetos, e um grande evento desses deveria contribuir pra melhorar as ações das nossas instituições. Eu gostaria que fosse isso. Mas não tenho certeza se vamos conseguir. 





Sobre o pensamento de Maurício Murad a respeito das torcidas organizadas, leia aqui no Letras A polêmica das torcidas organizadas.

Entrevista com o coordenador do Educafro (Em 23/04/2014)

VOCÊ CONHECE O EDUCAFRO?


COORDENADOR DO EDUCAFRO DE GUARATINGUETÁ-SP DÁ DEPOIMENTOS REVELADORES DE AÇÕES QUE MUDARAM A VIDA DE JOVENS AFRODESCENDENTES E CARENTES


Luciano Baruel, coordenador do Educafro.

Quer viver uma experiência diferente na sua vida?”Foi num bate-papo descontraído e empolgante que o coordenador do Educafro, Luciano Baruel, 39, concedeu uma entrevista ao Letras & e-Artes no dia 1º de abril, às 21h30min, no refeitório da Escola Municipal Luzia de Castro Mittidieri, em Guaratinguetá. Dentista de formação, esse professor nato e apaixonado pela profissão do magistério dá detalhes das conquistas da ação social que tem mudado a sua vida e a de muitos jovens da região. Apesar de doze anos de existência na cidade, com resultados concretos e positivos de inclusão social de jovens e adolescentes, o Educafro ainda é pouco conhecido pelos guaratinguetaenses. Se você quiser conhecer melhor esse movimento, leia esta entrevista e confira como é possível fazer a diferença numa sociedade muitas vezes indiferente. A fórmula? Atitude, determinação, sensibilidade e competência profissional.


Nós poderíamos começar com você falando um pouco de si mesmo.

Luciano - Então, meu nome é Luciano Fernandes Baruel. Eu sou dentista, me formei há quinze anos e há quinze dou aula de biologia como hobby em pré-vestibular. Eu dei aula em São José dos Campos e em quase todas as escolas de Guará. Houve uma época em que eu era mais professor do que dentista.

Você é casado?

Luciano - Sou casado.

Tem quantos filhos?

Luciano - Tenho dois filhos, um de oito e uma menininha de quatro. E não sou de Guará... Estou aqui em Guará...

Você é de onde?

Luciano - Eu sou de São José mesmo. Fiz faculdade lá, na UNESP. Conheci minha esposa lá; nós estudávamos na mesma sala. Vim pra Guará e comecei a dar aula em Caçapava, São José e Guará; fiquei nesse eixo. Depois fiquei São JoséGuará, sempre em pré-vestibular, mas aí acabava puxando pro terceiro ano do Ensino Médio e aí eu comecei a me desenvolver muito... Eu descobri que tinha vocação pra dar aula, assim, na prática. Eu nunca fiz pedagogia, nunca fiz licenciatura, não fiz nada. E, quanto mais eu fui ficando nessa de dar aula, mais aulas foram aparecendo pra eu dar, e eu falei: "Puxa! Eu acho que eu vou deixar de ser dentista desse jeito!". Mas eu acabei me desiludindo... fui me desiludindo aos poucos com a educação, mesmo trabalhando sempre em escola particular: Objetivo, Anglo. Todos os sistemas de ensino, quase, eu já trabalhei. Então eu falei: "Não; tem alguma coisa muito errada na educação", e aí eu fui ficando mais no consultório. E eu não conseguia entender o porquê daquilo. Ainda mais, quando a gente trabalha só com o público particular. Eu via que os professores não eram valorizados nem na escola particular. Tentamos fazer um movimento dentro de um grupo de professores, mas também nunca funcionava. E eu falei: "Puxa! Por que que eu vou ficar num ambiente em que... Eu tenho a opção de escolha. Eu posso ficar no meu consultório, no meu negócio".

Como foi que você conheceu o Educafro?

Luciano - Foi através da Ana Paula. Ela era minha paciente... É até hoje, , Ana Paula? (risos). Precisa voltar... (risos). Essa aqui também é minha paciente (apontando para Sílvia Oishi). Aliás, eu coloquei um monte de coordenador esse ano do consultório (risos). Então, nesse momento em que eu comecei a me desiludir com a educação em 2009, eu parei de dar aula. Eu falei: "Não vou dar aula nunca mais na minha vida. Eu vou ficar no meu consultório, vou ser dentista agora”. Daí a Ana Paula começou a frequentar. E em 2010 eu falava: "Ana Paula, você faz o que mesmo? Trabalha em projeto social? Como é que é isso?" E, toda vez que ela ia, eu falava: "Eu preciso voltar a dar aula". Eu acabei sofrendo de uma síndrome, e uma paciente minha, que é coordenadora do Educafro hoje também, dona Zélia, me descreveu em 2004, 2005; chama (-se) burn out. Num determinado momento, a chama se apaga e você não quer mais dar aula. Ela falou: "Doutor Luciano, eu não consigo mais pisar na escola". Aí eu vi uma reportagem sobre essa síndrome, nós discutimos até em reunião de HTPC, na Usefaz. E isso aconteceu comigo em 2009, também. De um dia pra noite, eu falei: "Por que que eu aqui?". Tudo perdeu o sentido. Eu falei: "Puxa! Eu não quero dar aula!". A Ana Paula foi o canal pra me trazer pra cá. Eu pensava: "Eu tenho que conversar com essa menina. Ela faz um negócio diferente, mas que negócio? Vamos ver se eu sinto vontade de dar aula". Porque eu não sentia mais vontade de fazer o que eu fazia no pré-vestibular, as coisas muito loucas que eu fazia dentro do universo do pré-vestibular. Uma vez eu fui até cogitado pra participar do Fantástico; eu ia representar o estado de São Paulo. A produção do Fantástico ligava pra minha casa, 2007, 2008, pra professores que fazem coisas diferentes. Eu tava ali com a produção: "Meu Deus! Eu vou pro Fantástico! Não acredito!" Mas aí a pauta não acabou acontecendo, não teve a reportagem. Até que a minha filha ficou doente; ela teve uma doença muito grave, síndrome de Kinsbourne, e, do dia pra noite, em outubro de 2010, ela parou de andar, parou de falar, parou de enxergar, parou tudo, só não parou de respirar. Foi aquele corre-corre, aquela loucura. E, quando ela saiu da UTI, lá em Jacareí, eu fiquei com ela no quarto e eu conto essa história, eu não tenho vergonha de falar, eu conto mesmo, já dei até palestra, porque eu ouvi; então eu tenho que falar o que eu ouvi. E no quarto ela mal se mexia, ficava lá quietinha, já não estava mais na UTI. E durante as noites em que eu ficava com ela, escutei uma voz, que falou assim pra mim: "Volta a dar aula!". E eu: "Hum! Caramba! O que será isso?".

E você estava bem desperto, não estava com sono.

Luciano - Não, estava assistindo televisão. Daqui a pouco: "Volta a dar aula!". Aí eu conversei com a voz: "Quer saber? Eu não vou voltar a dar aula! Eu parei de dar aula! Agora eu sou dentista! E eu estou enfiado nesse hospital! Como é que eu vou voltar a dar aula? Eu não tenho nem cueca! Saí de casa com a roupa do corpo!". Demorei trinta dias pra voltar pra minha casa. "Quando eu voltar pra minha casa, talvez eu volte a dar aula! Mas agora eu vou ficar aqui! E chega!" Passados alguns dias, eu voltei e a Ana Paula voltou naquela semana. Eu falei: "Ana Paula, eu preciso voltar a dar aula. Não me pergunte por quê, mas eu preciso voltar a dar aula. Tem um lugar pra mim lá no Educafro? Como é que chama mesmo? Educafro?" E ela: "Tem!". Na época, em 2011, quem dava aula de biologia eram alunos da FEG. "Então, arruma um lugar pra mim lá". E foi quando eu voltei. A gente teve essa conversa, mais ou menos, em dezembro, janeiro, e em fevereiro de 2011, eu comecei, através da Ana Paula, que foi aluna do Educafro e ficou dez anos na coordenação. Funcionava numa igreja, num porão de uma igreja.

Qual igreja?

Luciano - Nossa Senhora das Graças, aqui no centro, por causa de um frei que fundou o Educafro, não foi? (para Ana Paula)

O frei Davi?

Luciano - O frei Davi? O frei Davi é franciscano?

Ana Paula - É, é franciscano.

Luciano - Então é uma obra franciscana. Os franciscanos moravam ali e cederam... Aí fez um núcleo em Guaratinguetá. Em dois mil e...

Ana Paula - Dois.

Luciano - Dois mil e dois.

Então, foi o próprio frei Davi, aqui em Guaratinguetá, que fundou o Educafro, ou ele já era de São Paulo?

Luciano - Não, o frei Davi é de São Paulo.

Ana Paula - Foi o frei A.

Ah, o frei A.!

Ana Paula - Que não é mais frei hoje em dia.

Mas o Educafro já existia em São Paulo.

Ana Paula - Já existia lá, iniciou em noventa e sete.

Então o frei Davi é o fundador.

Ana Paula - Ele é o fundador. 
 
Luciano - Seu nome completo, Ana Paula?

Ana Paula - Meu nome é Ana Paula Luís Ribeiro.

Nós também não vamos divulgar sua idade não, mas qual é ela? (Risos)

Ana Paula - Vinte e nove.

Qual é a sua ocupação, a sua profissão?

Ana Paula - Hoje eu sou proprietária de uma loja de parafusos.

Luciano - Mas fez faculdade de administração.

Ana Paula - Fiz administração em comércio exterior na Metodista. Me formei em 2005.

Luciano - Entrou na faculdade graças ao Educafro.

Ana Paula - Eu nunca pensei em fazer faculdade na minha vida, pelas condições financeiras. Eu saí do terceiro colegial com o nível de estudo que a gente sabe... Meu pai não tinha condições. Aí o frei A. sugeriu: "Vai lá no Educafro. Vai no Educafro que...". E, graças ao Educafro, eu consegui.

Luciano - Fez a faculdade e ficou dez anos como coordenadora (do Educafro).

Ana Paula - Enquanto eu estava fazendo faculdade, daí quem entrou no Educafro em 2002 já conseguiu passar na faculdade em 2002. Aí a gente assumiu a coordenação. 
 
Então o Educafro já tem conquistas, aqui de Guará. Aproveitando esse gancho, a gente podia entrar aqui já nessa primeira pergunta: o que é o Educafro e quais são os seus objetivos.

Ana Paula - Então, o Educafro é um cursinho de pré-vestibular para afrodescendentes e carentes, e o objetivo principal do Educafro é colocar os alunos nas universidades públicas e federais. Tanto que a gente frisa que prioridade são as públicas e as federais, depois a pessoa vai tentar uma bolsa, atrás do ProUni, que também é uma conquista do Educafro, uma luta do Frei Davi.

Luciano - O ProUni foi um projeto do frei Davi, que é o fundador do Educafro. Se não me engano, foi apresentado pro governo Fernando Henrique, mas não deu certo. E aí o Lula, quando assumiu, comprou a ideia e implementou o ProUni, que existe até hoje, que são bolsas pra faculdades particulares. É um projeto que nasceu com o frei Davi no Educafro.

A segunda pergunta já foi praticamente respondida: quem o propôs como ação e quando.

Luciano - Na verdade, originalmente o Educafro era só pro público afrodescendente. Tinha o objetivo de fazer uma compensação da desigualdade, né?, colocar o público afrodescendente na universidade, pra compensar essa desigualdade que existe até hoje. Mas, como os próprios afrodescendentes passaram a não frequentar, aí foi feita a abertura para afrodescendentes e carentes, que é o slogan hoje do Educafro.

E essa abertura é aqui só em Guará ou, por exemplo, funciona no Rio e em São Paulo?

Luciano - Nacional. Hoje é pra afrodescendentes e carentes.

Qual o seu papel no projeto?

Luciano - Então, em 2011 eu entrei, fiquei 2011, 2012 e 2013 apenas como professor de biologia, dando uma aula semanal. Eu fiquei... vamos dizer... praticamente dez anos dando aula para um público particular. Em 2011 eu me vi numa realidade totalmente diferente, em que eu não me achava no direito de cobrar daquele jeito que eu cobrava. Então foi um ano em que eu passei me adaptando, e eu falei: "Meu Deus! Como é que eu vou chegar nessa gente?". Foi o ano também em que minha filha se recuperou. Eu falei: "Ana Paula, você me desculpe. Eu já dei muita aula, mas essa aula que eu dei semana passada foi horrível. me desculpe". E a Ana Paula: "Mas os alunos adoraram!". Aí eu medi o nível de carência desses alunos: "Meu Deus! Eu dei uma porcaria de uma aula e esses alunos adoraram. Esses alunos são carentes mesmo!". E aí eu comecei. Chegou no final do ano, eu fiquei frustrado. Por quê? Porque eu não consegui terminar o conteúdo, era uma aula de cinquenta minutos por semana, e eles foram pro vestibular sem saber as coisas direito, e eu terminei aquele ano com essa sensação: eu fingi que ensinei, eles fingiram que aprenderam, e o Educafro é uma enganação. Mas, em gratidão àqueles alunos, aos cinco que terminaram naquele ano de 2011, eu terminei falando: "Vocês me ajudaram muito mais do que eu ajudei vocês. Então eu vou ficar mais um ano. Em gratidão, porque vocês me ajudaram num processo de reorganização da minha vida, nesse momento novo, com que até hoje eu não sei lidar, mas eu me tornei uma pessoa melhor estando aqui com vocês". Em 2012 eu fiquei, em gratidão a 2011; eu devia aquilo a eles. Eles me ajudaram muito, porque eu estava acabado por causa da questão familiar. Em 2012 nós tivemos uma experiência com um aluno que... a Ana Paula já viveu outras tantas experiências, mas essa foi a que me marcou. Naquele ano teve um menino, ex-usuário de droga, em 2011, que passou na Universidade Federal de Ouro Preto e em outras também. Ele diz até que vai montar um núcleo do Educafro lá em Ouro Preto agora.

E ele está estudando?

Luciano - Está. Ele entrou para a faculdade em 2012. Eu cheguei a dar aula pra ele. Então, eu falei: "Como é que ele passou?". Fiquei intrigado; como é que ele passou? Em 2011, 2012, entrou um aluno, o T, ex-usuário de drogas, que tinha acabado de se recuperar na Casa Dom Bosco, aqui, também sustentado por um dos professores que deu aula durante muitos anos no Educafro, professor de história, Robertinho, que falou: "Agora você vai estudar e vai estudar no Educafro". Ele é de Caçapava e veio se tratar aqui. Sentava no fundo...

E ele é afrodescendente?

Luciano - Ele é. E eu pensava: "Meu Deus! Esse cara vai matar todo mundo aqui". E, dando uma aula de fungos, que eu dei durante dez anos, no final eu falei: "Então, dos fungos a gente pode fazer alucinógenos, cogumelo, chá de cogumelo, pessoal, o próprio LSD". E ele levantou a mão; ele nunca falou nada. Isso era junho mais ou menos: "Eu já tomei muito chá de cogumelo". Eu falei: "Nossa! Ah, é?". E ele: "Ah, e LSD também eu já tomei". "Puxa! Então vamos fazer o seguinte: como é que é isso? Porque eu sempre dei essa aula e não sei como é que é, nunca tomei, não sei que barato que dá. Então você pode me explicar como é que funciona o LSD, o que que você vê. Dou essa aula há dez anos, e nunca ninguém comentou nada". E ele começou a dar uma aula de qual cogumelo, de quanto custa o LSD, onde compra, quanto é, como usa, e ficou todo mundo assim... E eu descobri um talento nele: "Você é um bom comunicador. Você serve pra dar palestra, dar aulas... Nós vamos fazer uma palestra sua”. E ele: "Eu?". "Você vai falar das drogas que você usou; vai fazer uma palestra aqui pra gente". Fizemos um trabalho com ele, ele deu uma palestra pra gente, assim, chocante, em que eu saí passando mal, com vontade de vomitar. Eu falei: "Agora nós vamos trabalhar você, e você vai falar só de crack, maconha e cocaína e nós vamos dar uma palestra sua numa escola”. Ele e um outro coordenador, o Oliveira, ele trabalha em presídios e na Fundação Casa, fazendo projeto social também. Ele é um coordenador da época da Ana Paula e está no Educafro até hoje, na coordenação. Dá aulas de cidadania aqui também. O T falava uma hora e o Oliveira falava meia hora. Um paciente meu era vice-diretor do Cotec. Eu falei: "Olha, tem um maluco lá, um carinha, que leva jeito, mas eu preciso de um lugar para testar ele. Vamos fazer uma palestra lá para os seus alunos do Cotec?" E ele: " Vamos! Essa semana é a semana antidrogas. Já foi um cara da polícia, vamos levar ele. Vamos levar um usuário". "Olha, eu não sei o que vai acontecer, mas o cara é bom". "Então vamos levar". Terminada a palestra, olha, eu só não chorei pra não ficar chato. Eu ficava disfarçando. Foi um sucesso. "Meu Deus! Nós temos a melhor palestra antidrogas do Brasil". Eu tinha certeza que ali nós tínhamos os ingredientes perfeitos. Os alunos levantaram, iam abraçar, tirar foto, virou uma celebridade. Na outra semana, nós estávamos na Usefaz e, em dez dias, eu já tinha agendado pra ele palestra na Liebherr, na Basf, FEG, Cotec. A gente ia correr todas as escolas particulares de Guará. "Vou ser seu empresário, mas eu não vou ganhar nada. Mas, se você salvar um moleque desses aí, já valeu". Ele tem a experiência de tráfico de drogas, de uso de drogas nas fábricas, porque ele viveu isso. Então ele ia fazer essa palestra nas fábricas. Eram os ingredientes perfeitos. E aí a gente já tinha tudo agendado e terminamos o curso em dezembro com seis alunos. Eu falei: "Gente, vocês tinham que estar lá para ver o que esse colega de vocês fez. Eu me senti orgulhoso de estar aqui, de ter vivido um dia isso na minha vida, então eu vou ficar no Educafro até o último dia da minha vida, porque eu vivi isso e eu quero viver mais. Porque eu achei que isso aqui era uma enganação, todo mundo se enganava. Educafro não é só colocar os alunos na universidade; aqui a gente resgata pessoas. E agora isso faz sentido pra mim.

E hoje o T faz o quê?

Luciano - Naquele ano, em janeiro, o T passou na Universidade Federal, com todas as palestras agendadas, e o pessoal falou: "E aí? E o rapaz?". Eu falei: "O rapaz passou pra faculdade".

Qual faculdade?

Luciano - Universidade Federal do Piauí.

Qual carreira?

Luciano - Pedagogia, mas ele vai mudar para sociologia. Acho que já mudou.

E ele está lá fazendo?

Luciano - Está lá até hoje, está no segundo ano.

Então, todos que passam, fazem faculdade.

Luciano - Fazem; naquele ano todo mundo passou. Os seis que ficaram passaram.

Os seis. Turminha boa.

Luciano - Foi um milagre! Meu Deus do céu! Eu falo isso até hoje. Me convidam pra dar palestra de trabalho voluntário, eu falo: "Eu sempre quis ver um milagre na minha vida. Só que eu já vi e vi no Educafro. Eu sempre quis ver".

Então, provavelmente se não fosse o Educafro, talvez esses alunos não estivessem em faculdade.

Luciano - Com certeza, porque não têm dinheiro pra pagar um cursinho.

Então o Educafro tem resultado.

Luciano - Tem resultado! O D, esse que passou em 2011, o Oliveira chegou a tirar de biqueira de tráfico de drogas aqui em Guará. Ele tinha recaída, ele tentou se matar. A história dele é tão fantástica ou até mais que a do T; é que da do T eu participei diretamente, a dele eu peguei só o final. Tem n histórias de transformação de vida dentro desses anos de Educafro. O D, o T e outros são os ícones de milagres mesmo. Nas palestras ele fala: "Quando eu entrei no Educafro, eu não sabia fazer uma conta de dividir. Eu fumei crack durante dez anos. Meu cérebro estava cozido". Ele entrou em maio, e em seis meses, nove meses, ele entrou na universidade federal. Através do programa de cotas... entrou! E ele deu depoimento ano passado para os alunos daqui. "Minha nota mais baixa na universidade é oito e meio, nove", disse. Ele é líder de sala, representante de sala, deu palestra antidrogas na Universidade Federal do Piauí.

E você, que tem uma experiência grande como professor, deu aula para várias escolas particulares, conhece a estrutura da escola e do Educafro, pois já tem dez anos de Educafro...

Luciano - Aqui eu estou no meu quarto ano de Educafro.

Quatro anos de Educafro. Ao que você atribui esse sucesso do Educafro, que muitas vezes a escola não consegue? Porque todos esses que estão passando pelo Educafro já passaram pela escola, e o Educafro consegue, em pouco tempo, o que a escola não consegue.

Luciano - O Educafro tem muita evasão. Nós começamos com quarenta e terminamos com quatro. Esse é um problema. O aluno da escola particular não vê o professor como um amigo; raramente vê. Ele ali te fiscalizando. Se você der um deslize, falar alguma coisa errada, ele já reclama para o superior, para o diretor: "Pô! Fulaninho não sabe dar aula". Ali você é testado a todo momento, você está passando por um teste. Então, não há uma relação de amizade verdadeira entre professor e aluno na escola particular. E eu mesmo vivi isso durante dez anos. Eu sabia que, se eu desse um vacilo ali, minha cabeça ia rodar; eu não podia errar. O que foi bom pra mim, porque eu tinha que me aperfeiçoar, sempre, né?, me garantir todo dia. Aqui não. Silvinha (a nova admissão do Educafro, professora de química) vai começar agora; se ela travar, as pessoas não vão crucificar ela. "Pô, ela saiu da casa dela, veio nos ajudar. Essa pessoa é nossa amiga". Então, aqui nós acabamos sendo amigos dessas pessoas. Porque ele nos veem como pessoas que estão ali para ajudar, porque nós não estamos ganhando nada para estarmos aqui à noite com eles. Eu falo isso para as pessoas que eu trago pra cá: "Quer viver uma experiência diferente na sua vida? Vai lá! O que que vai acontecer? Não sei. Todo ano é diferente, todo dia é diferente. Mas, quer viver uma incógnita na sua vida, vai para o Educafro". Por isso que eu trouxe minha sogra esse ano, estou trazendo a Silvinha, que é minha amiga, e convido todo mundo. Quer viver uma coisa muito louca na sua vida, vai lá. Eu vivo. Eu comecei a viver em 2012, sempre quis ver um milagre e vi em 2012 e quero ver mais, e sei que, se eu estiver aqui, eu vou ver mais outro daquele.

Então, isso puxa para a próxima pergunta, mas, antes de entrar nela, só uma questão técnica: quantos professores o Educafro tem no momento, quantos são os alunos e quais são as matérias que eles estão frequentando aqui?

Luciano - Nesse exato momento, nós acabamos de completar o quadro de professores. Nós temos dois professores de biologia, três de matemática, dois de química agora, dois de física, dois de geografia, gramática, literatura, redação, inglês, quinze já?, cidadania, dois de história. Dezoito. Nós temos todas as disciplinas que um pré-vestibular necessita e mais uma, que é cidadania, que pré-vestibular não tem.

Esse é o diferencial.

Luciano - Dez alunos frequentando e temos a coordenação. Hoje temos quantos coordenadores? Dois na segunda, dois na terça ─ eu sou coordenador e professor ─, dois na quarta, três na quinta e um na sexta. Dez coordenadores.

A faixa etária dos alunos gira em torno de quê?

Luciano - Mais ou menos, dos dezoito aos quarenta e cinco. Mas nós já tivemos alunos, nesse ano de 2012, acima dos sessenta. E um deles passou na universidade, a dona Sandra. Ela estava lá com a gente, mas temos dez alunos frequentando; começamos com quinze, chegou a ter vinte e cinco, hoje estamos com dez. A evasão é um desafio a ser superado.

"Não precisamos de dinheiro; precisamos de visibilidade."

Essa próxima pergunta é de cunho político, mas também diz respeito às ações sociais. Em São Paulo e no Rio, percebe-se uma ação politicamente mais atuante do Educafro, inclusive com intervenções que chamaram a atenção da mídia em eventos de moda, como São Paulo e Rio Fashion Week, onde se protestou contra o desrespeito à reserva de 10% no casting para modelos negros, o que efetivamente, em 2013, foi atendido pelos organizadores desses eventos. Em Guaratinguetá, há alguma preocupação com um engajamento político que produza maior visibilidade ao projeto e consequentemente resultados no problema da inclusão?

Luciano - O Educafro já participou durante alguns anos, no passado, de eventos em São Paulo, Passeata dos Excluídos, em Aparecida.

Ana Paula - No Sete de Setembro, a gente se reúne lá em Aparecida no Grito dos Excluídos.

Luciano - Grito dos Excluídos. Mas, o que aconteceu no núcleo em Guará nesse momento? Nós não temos ações aqui, a parte política em Guará é praticamente inexistente hoje. A gente vê que o Educafro se esforça em tentar sobreviver. O Educafro era pra ter acabado, não era pra ter em 2014. No final do ano, nós fizemos uma reunião: "Ano que vem, não tem mais condições de continuar". E aí, como eu estava vivendo o momento de um projeto odontológico em que eu tinha até uma equipe lá comigo, eu falei: "Não". Trouxe meu estagiário aqui. "Eu tenho uma estrutura que me permite ajudar o Educafro hoje, e em 2014 o Educafro não vai acabar. Eu vou puxar firme e vou puxar todo mundo". Então o Educafro está, meio assim, na UTI em Guará. É um núcleo fraco, perto do de São Paulo. Na verdade, nós não temos praticamente relação com São Paulo.

Não tem um intercâmbio?

Luciano - Obrigatoriamente nós temos que enviar, uma vez por mês, um voluntário nosso para ficar a par. Mas a realidade de São Paulo é muito diferente da nossa, tudo é maior, tudo funciona. Aqui as coisas são... praticamente pra manter o Educafro sobrevivendo. Então, o que eu propus para 2014? Renovar a coordenação; praticamente quase toda a coordenação é nova. Trouxe a Ana Paula de volta, que ela tinha saído também; acabou se desmotivando, porque trabalhar num projeto social é difícil, né? São dez anos, né? Eu implorei pra ela voltar, e ela voltou. Eu sou muito grato a ela, porque ela tem uma experiência muito grande, e precisa mesclar essa mudança, a experiência dela e do Oliveira, que continua desde sempre. Dos dez, oito são novos na coordenação. Então está todo mundo... Eu estou tentando manter essa coordenação unida, pra que, a partir da coordenação, a gente possa fortalecer o grupo de professores, que também não se reúne... Nesses quatro anos, tinha uma reunião por ano de todo mundo, e ia a metade só. E eu falei: "Gente, a gente não pode ter um evento coletivo em que as pessoas se encontram uma vez por ano só". Então nós temos desde 2014 reuniões quinzenais da coordenação. Agora é que a coordenação está entrando na linha; reunião com os professores e reunião com os alunos também. A gente está fortalecendo a coordenação, mas nós não temos ações políticas aqui em Guaratinguetá. Mas, nesse movimento novo, eu já entrei em contato com um grupo de coral de Aparecida, chamado “Aparecendo”, e nós estamos tentando desenhar um evento em Guará pra apresentar para a sociedade guaratinguetaense o Educafro, que já existe aqui há 12 anos, mas, se virar a esquina ali, ninguém sabe o que é.

Eu (professora Daniella, do Letras & e-Artes) não conhecia o Educafro. Eu sou daqui e não conhecia. Nunca ouvi falar. Fui ouvir falar com a professora do meu filho, a Heloísa.

Luciano - Que está aqui na coordenação porque eu falei: "Tia Helô, vamos pro Educafro. Você é afrodescendente, vai lá pro Educafro". E ela veio com a Tia Lu (ambas agentes de educação do Colégio Aquarela; tia Helô, professora; tia Lu, inspetora). Então, vamos apresentar o Educafro pra sociedade guaratinguetaense. Aí, nós vamos fazer um evento motivacional, cultural. A gente vai tentar fazer uma coisa pra dar visibilidade. O Educafro não precisa de dinheiro; o Educafro precisa ser conhecido. As pessoas precisam saber que isso existe para que elas possam procurar. O aluno quer participar? Venha participar da coordenação, venha dar aula.

De repente há poucas pessoas assim porque as pessoas não conhecem.

Luciano - A gente passa por dificuldades assim porque nós não não somos conhecidos. Nós estamos em Guará há doze anos, com resultados excepcionais, com toda a dificuldade, histórias maravilhosas... Eu fui na Metropolitana (rádio) divulgar o Educafro agora em janeiro, e as pessoas que ouviram, falaram: "Nossa! Que legal!". E o T ia comigo nesse dia, mas não conseguiu chegar. E tem outras histórias, outras tantas. Essa foi uma que eu presenciei. Mudou a minha vida, de verdade! Hoje eu sou uma pessoa diferente por ter vivido o ano de 2012 aqui no Educafro, por ter vivido o ano de 2011, mesmo no pior momento da minha vida. E eu digo: "Agora, depois de quatro anos, é que eu estou me adequando a esse público". E é diferente. Totalmente diferente do público da escola particular. E hoje eu vou dar palestras nas escolas particulares pros alunos começarem a enxergar isso também. E algumas escolas já têm o interesse de fazer uma parceria com o Educafro, pra que o aluno da escola particular tenha contato com essas pessoas. É uma realidade nova pra mim também. Mas hoje, depois de quatro anos, eu já me sinto fazendo parte disso aqui. Levei quatro anos para me adaptar. É difícil, uma realidade muito diferente da nossa.

A história do T já foi bastante representativa das conquistas do Educafro e responde bem a pergunta oito, mas a gente pode voltar a ela no final, se você quiser. A nove trata um pouquinho da questão do preconceito, principalmente com relação às cotas. A pergunta é a seguinte: Diferentemente de países como os EUA, em que estão solidamente instituídas em praticamente todos os setores da sociedade, as políticas afirmativas no Brasil ainda causam receio e levantam muitas críticas contrárias. Ao que o senhor atribui esse fato e de que maneira o senhor encara essa resistência? Praticamente, no Brasil inteiro, que é um país de formação étnica fortemente afrodescendente, seria de se esperar que as pessoas fossem mais receptivas com as políticas de ações afirmativas, como as cotas. E justamente, mesmo pessoas afrodescendentes, criticam essas ações. Como o senhor vê isso?

Luciano - Eu sou favorável às cotas. Eu acho que existe uma desigualdade, só não vê quem não quer. Basta você ver uma imagem de um presídio. A maioria da população é negra, afrodescendente. Então existe alguma coisa errada. Eu sou a favor. Há uma desigualdade e essa desigualdade precisa ser compensada de alguma maneira; desigualdade histórica que precisa ser compensada. Educafro e as cotas... O Educafro originalmente veio com essa proposta, mas, por conflitos internos, ficou só o nome, a questão do afro, apesar de que o frei Davi sempre está em Brasília representando o Educafro, fazendo pressões no Congresso pra determinadas votações lá.

A imprensa é um pouco negativa com relação às ações dele, que às vezes geram polêmica.

Luciano - Eu acho que existe uma desigualdade, e as cotas, se precisa de algum ajuste ou não, é uma maneira de compensar isso. O T é um exemplo. Ele não estaria na Universidade Federal do Piauí sem as cotas. Não estaria, pois a nota dele foi baixa no Enem, mas, graças às cotas, ele conseguiu entrar. Mudou a vida dele. Hoje ele é um líder na universidade dele. Então está aí um exemplo vivo. Funciona; você resgatou. Mas não é só para afrodescendentes, é também para carentes.

Então é para afrodescendentes e carentes agora, mas originalmente...

Luciano - Foi originalmente para afrodescendentes. Hoje ficou só o nome, porque existe o trabalho para o público afrodescendente, que ele (o frei Davi) faz lá no Congresso, existe. Ele vai representando o Educafro, pois foi ele o fundador, mas dizer que é para afrodescendente hoje, não é. Ficou somente o nome. Mas eu particularmente sou favorável às cotas, pois existe a desigualdade. Sou favorável também às cotas socioeconômicas, acho que deveriam existir; não só a racial. Eu acho que deveria ter uma cota socioeconômica, e automaticamente ia chegar nos negros. Mas, como não é um modelo muito aperfeiçoado ainda, antes cota para afrodescendente do que nada. Antes isso do que nada.

Você acredita que o efeito das cotas possa gerar o oposto na sociedade, com mais preconceito, mais intolerância ou não?

Luciano - Sinceramente, no começo houve muito esse movimento. A gente via confusão. Hoje já não. Tem um comentário, mas nenhum movimento contra. O próprio Enem favorece o aluno que vem da escola pública; é uma prova mais democrática. E o Enem veio mudando isso também. Então eu acho que a sociedade brasileira, lentamente, está aceitando mais isso. 
 
E os projetos do Educafro para 2014?

Luciano - Nós temos aqui hoje um espaço cedido pela prefeitura em 2011, 2012... Nós perdemos nossa vaga lá na igreja, porque saíram os franciscanos e vieram freiras não sei de quê congregação. E elas não queriam ninguém lá. E aí nós, de repente, estávamos sem sala. Então apareceu aqui o CEMEP, e a Prefeitura cedeu uma salinha. Em 2013 nós estivemos aqui. É uma sala de aula, com tudo bonitinho, como a gente (queria)... com iluminação mais adequada, mais arejada, temos um espaço maior. Então o Educafro está aqui hoje e precisa ser conhecido. Nosso projeto hoje, nossa meta é manter o Educafro funcionando... No ano passado, nós tivemos muito problema com falta de professor, o que também colaborou com a evasão. O aluno vinha aqui e ficava horas sem aula. Então conseguimos contornar esse problema, estamos com o quadro completo. Temos uma coordenação unida. Essa era nossa meta inicial: reestruturar o funcionamento interno aqui. Não precisamos de dinheiro; precisamos de visibilidade. Então nós estamos pra tentar fazer, ainda no primeiro semestre, um evento na cidade, apresentando o Educafro pra sociedade de Guará, convidando o jovem a estudar: estudar é legal. O jovem da escola pública, que, hoje em dia, não quer mais saber, não tem mais o sonho de fazer uma faculdade. Eu sei porque eu tenho vários conhecidos, que até dão aula em escola pública, e vivem essa realidade: os alunos não querem saber mais de nada. (Queremos) mostrar pra eles que estudar é legal, que o Educafro existe. Venha estudar no Educafro, e você, venha participar também, fazer uma atividade voluntária, venha experimentar isso um dia na sua vida. Esse é o objetivo nosso: manter o Educafro numa renovação de coordenação, professores. Porque nossa preocupação hoje não é ter número de alunos; o Educafro é muito forte sabe onde? Na região Bragantina. Porque lá tem universidades particulares que fizeram uma espécie de convênio: o aluno que passar pelo Educafro ganha uma bolsa. 
  
 
Ana Paula Ribeiro, Sílvia Oishi e Luciano Baruel
 
Mas isso não seria uma ideia aqui pra Guará, pra região?

Ana Paula - Antes, quando surgiu o Educafro em Guará, na sala cabiam quarenta alunos; tinha oitenta esperando pra entrar. Mas qual que era o interesse da maior parte que ia procurar o Educafro? O Educafro tinha convênio com várias universidades e conseguia bolsa, tanto que eu consegui através de bolsa; eu fiz a Metodista. Mas o enfoque do Educafro não era a pessoa ir lá no intuito de passar pra universidade particular. Mas a pessoa ia por causa da bolsa. Hoje em dia, não tem; tem algumas bolsas. Inclusive tem dois alunos nossos que fizeram faculdade em Cuba, em educação física, com tudo pago, através do Educafro. E esse convênio ainda tem com a universidade de lá. Tem algumas universidades, acho que a São Francisco, em São Paulo, que ainda têm convênio com o Educafro. Se algum aluno quiser prestar algum curso, o Educafro dá um jeito de arrumar um alojamento...

Como o Educafro levanta esses recursos, já que é um projeto social?

Luciano - No caso, a universidade dá o curso pro aluno que passou pelo Educafro. O Educafro não precisa bancar nada. Se o aluno veio do Educafro: "Ah, tá. Vai estudar de graça". E aqui no Vale do Paraíba, nenhuma universidade se interessou em fazer isso.

E aqui no Vale só em Guará tem Educafro?

Luciano - Só.

Ana Paula - No ano passado tinha em Aparecida.

Luciano - Dois anos funcionou em Aparecida, com resultados muito bons também, mas esse ano não foi possível montar uma coordenação lá.

Apenas um comentário final. Já que faz parte do projeto para esse ano visibilidade, então a entrevista aqui pro Letras veio a calhar. Nosso site é bem acessado, já está com mais de duzentos mil acessos...

Luciano - Esse ano eu estou saindo em vários lugares e eu falo: "Quer ajudar o Educafro? Então divulgue o Educafro". Só isso. A gente não quer dinheiro. A gente não precisa de dinheiro. O aluno paga uma mensalidade de vinte reais, e tem que ter um repasse pra São Paulo, acho que de sete reais, obrigatório e só. E esses outros treze reais, a gente faz um caixa pra mandar um representante nosso pra São Paulo uma vez por mês, pagar o ônibus, alimentação e às vezes comprar folha de sulfite, tinta de impressora, coisa de escritório. Então a gente não precisa de dinheiro; nós precisamos ser conhecidos. Só isso; e vocês do Letras & e-Artes estão ajudando a gente.