De pai para pais e filhos (Em 26/10/15)

      Da direita para a esquerda, Mauricio Murad, 
o casal Marcelo e Daniella Menezes e seu filho Adriano
 
       O sociólogo e escritor Mauricio Murad lançou seu mais recente livro na tarde do último sábado, 24 de outubro, na elegante livraria Mini Book Store, no Museu da República, no Rio de Janeiro. Histórias que meus filhos não me contaram – pequenas crônicas para pais e filhos entre o real e o ficcional brinda o leitor com narrativas ágeis, colhidas no cotidiano entre um pai e seus filhos, sempre alinhavadas pelo espírito investigativo e desinibidamente inquiridor das crianças, o que não raro resulta em situações cômicas, ainda que às vezes involuntárias. Mesmo com toda a presença do humor, o livro é uma reflexão sobre a importância em se estreitar o convívio entre pais e filhos, algo quase esquecido nos dias de hoje. O Letras esteve lá para conferir essa concorrida tarde de autógrafos e de quebra ainda conseguiu uma deliciosa entrevista com o simpático autor. Confira o bate-papo.


Letras – O que motivou você a escrever essas crônicas de pais e filhos?

Mauricio Murad – Na verdade são aquelas histórias que as crianças, todas as crianças, pela criatividade delas, pela espontaneidade, sempre falam, criam na nossa frente. Elas não nos contam como histórias, mas a gente acaba ouvindo como histórias. E são histórias de grande sabedoria, de grande questionamento, de grandes ideias sobre a vida, sobre relacionamento entre pais e filhos. Então eu fui juntando isso ao longo de vários anos e resolvi escrever um livro de pequenas histórias, histórias curtas, sem grande elaboração, mas que retratassem exatamente essa atmosfera de afeto, de carinho, de espontaneidade, de originalidade que as crianças têm, especialmente quando nos questionam e às vezes nos deixam sem resposta. Então, eu digo para os meus filhos, eles são coautores desse livro. Eles não me contaram essas histórias, mas eu ouvi como histórias e estou agora repassando para todo mundo como histórias.

Letras – E o que lhe dá mais prazer: escrever artigos mais científicos, sobre esportes, sociologia, ou crônicas?

M – O que me dá mais prazer é escrever sobre ficção. É escrever crônicas, romances, contos, que eu já tenho... Esse é o meu sexto livro na área de ficção. Eu gosto também muito da área da pesquisa, do ensaio, do trabalho científico, mas a ficção é a que eu acho que nos dá maior liberdade, maior criatividade e às vezes a gente consegue, através da ficção, falar de uma maneira muito mais profunda e um alcance muito maior do que o texto científico. Eu realmente gosto muito mais da ficção.

Letras – Todo escritor tem um desejo interno, uma espécie de inquietação, de querer ver que alguma coisa da sua obra contribuiu numa mudança de comportamento na sociedade. O senhor também tem esse sonho? E, com esse livro, gostaria de ver algo transformado nas pessoas que o lerem?

M – Olha, começando pelo final; com esse livro, eu gostaria ― como e eu termino o livro dizendo isso ― que os pais, ao invés de dar presentes para os filhos, dessem presenças; sentassem no chão, ouvissem, conversassem, dialogassem, porque, se fizermos isso, a gente contribui pra melhorar um pouquinho da estupidez humana. Albert Einstein ― e está no livro isso ― tem uma frase em que ele dizia: “Só há duas coisas infinitas: o universo e a estupidez humana. E eu tenho dúvidas em relação ao universo” (risos). Então, é genial! Então, eu acho que, se a gente sentar com afeto, com carinho, ouvir, relatar, trocar ideias com as crianças, em síntese, mais presença do que presentes, a gente pode não resolver, mas melhorar um pouquinho a estupidez humana. Esse é o meu sonho, com este livro, contribuir um pouquinho, um pouquinho pra isso. E, com a minha obra, eu tenho a alegria de ter iniciado na universidade brasileira os estudos permanentes de sociologia do futebol, e eu acho que isso contribuiu muito, especialmente pra denunciar e combater a violência. Então, esse foi um sonho parcialmente realizado e agora com esse [livro] eu pretendo que seja um sonho, quem sabe também, mesmo que parcialmente, realizado.

Letras – Então, podemos dizer que o público de seu novo livro são tanto os pais, quanto os filhos.

M M – Exatamente! São crônicas para pais e filhos. A intenção é exatamente essa, que pais e filhos possam se encontrar nesse livro. É isso que eu desejo.

Letras – Aproveitando a oportunidade, já que o senhor é uma autoridade nos assuntos esportivos, não poderíamos deixar de perguntar, sobre as Olimpíadas de 2016, que impactos o senhor acredita que elas poderão trazer às políticas de melhorias sociais e aos esportes em geral no Brasil?

M M – Infelizmente eu acho que nós estamos muito atrasados com aquilo que seria a coisa mais importante dos jogos olímpicos, que seria o legado: o legado do plano da segurança pública, o legado do plano da educação esportiva integrada à educação geral das escolas, o legado em termos de equipamentos esportivos comunitários... Infelizmente estamos muito atrasados. Mas o que eu desejaria, mais do que a vitória por medalhas, era esse legado, a herança que os jogos podem deixar, em termos educacionais e sociais. Infelizmente, volto a dizer, estamos atrasados e estamos deixando talvez passar uma nova oportunidade, já que deixamos passar a Copa do Mundo também. Mas isso seria mais importante do que os jogos, do que a competição, do que o esporte, é o legado social, cultural, um pouco mais de valores, de ética. Nós estamos no Brasil com as instituições muito vazias de valores, de ideologias, de sentidos, de projetos, e um grande evento desses deveria contribuir pra melhorar as ações das nossas instituições. Eu gostaria que fosse isso. Mas não tenho certeza se vamos conseguir. 





Sobre o pensamento de Maurício Murad a respeito das torcidas organizadas, leia aqui no Letras A polêmica das torcidas organizadas.