Desenvolvimento de temas narrativos - 22/10/15

         No dia 14 de outubro de 2015, em função 2ª Produção Textual Orientada, a Turma Eco, da 1ª série, foi incumbida de desenvolver duas propostas de tema narrativo. No intuito de demonstrar aos alunos como tais temas poderiam se converter em narrativas de estrutura completa, foram desenvolvidas as duas histórias que se seguem. Por motivos meramente didáticos, optou-se por se conservar uma extensão mais livre de texto (sem limite de linhas), apenas para melhor visualização dos elementos constituintes da narrativa clássica.


TEMA 1

Crie uma narrativa que tenha como personagens um lápis, uma borracha e uma caneta.



 
Como nascem os pássaros
Marcelo Ferreira de Menezes

Sobre uma mesa de madeira, num dos cômodos de um pequeno apartamento, três companheiros de trabalho estavam reunidos e confabulavam. A conversa se desenrolava de forma amigável, bem-humorada, mas exibia uma certa ociosidade de palavras e alguma soberba também da parte desse trio. Eram uma caneta, um lápis e uma borracha. Na verdade cada qual contava vantagem sobre as próprias aptidões.
Nenhum dos dois, nem você, lápis, nem você, borracha, eu digo, nenhum dos dois se iguala a mim!vangloriava-se a caneta. Tudo o que eu digo permanece, fica para sempre, não pode ser apagado, como acontece com você, lápis. Por isso eu me presto para assinaturas, por exemplo, que não podem ser jamais alteradas!
O lápis achou graça:
Ah, está muito bom! Ora, essa! Está muito bom mesmo! Você não me vai nada mal, hein? Mas olha lá, que somente se pode assinar aquilo que já passou pelo crivo dos rascunhos, e nesse ponto quem é melhor do que eu? Pois se está no meu grafite o poder do escrito ser apagado, para depois ser reescrito! E o mesmo não se dá com os desenhos?
Então a borracha se manifestou:
Opa! Opa! Na minha cumbuca ninguém põe colher! Que história é essa? Desenho ou escrito, está bem claro que o poder de apagar vem de mim! Quem é a borracha aqui?
E, apesar da discussão acirrada, os três demonstravam alguma bonomia e até uma certa gaiatice em tudo. Mas o tom mudou a partir de uma observação da caneta.
Somos mesmo os maiorais! Mas agora olhemos para aquela tonta! e a caneta apontou com malícia para uma folha de papel, deitada não muito distante, alva, quieta e muda. Ela é chata e não tem competência alguma para exibir; aceita tudo que lhe cai na cara! Só expressa o que os outros lhe imprimem no lombo! E, quando alguém não gosta do resultado, lá vai virando ela uma bola! Molenga! Seu papel é apenas... ser papel!
E todos explodiram juntos numa sonora gargalhada.
A folha, que não falava de fato, a não ser que lhe escrevessem algo, permanecia inalterada e, sem ter como dizer nada em sua defesa, apenas conservava sua serenidade.
Nesse instante entrou um menino pela porta, com olhar curioso sobre os objetos daquela sala e uma expressão um tanto quanto travessa na face. Ele observou, sobre a mesa, a caneta, o lápis e a borracha, sem se deter em nenhum deles. Daí seus olhos pousaram sobre a folha de papel. Aproximando-se mais do ponto onde ela se encontrava, colheu-a e, usando como apoio o tampo da mesa, imprimiu-lhe várias dobraduras. Ele dobrava e vincava, dobrava e vincava, dobrava e vincava, de maneira que, ao final, seu formato, até então plano, converteu-se em algo de linhas arrojadas, jamais visto antes pelos três tagarelas, que agora acompanhavam tudo silenciosamente incrédulos.
O menino se dirigiu à janela, abriu as cortinas, ajeitou com os dedos as arestas da nova forma que ganhara a folha de papel, deu-lhe um beijo no bico e, como se seu braço fosse uma possante catapulta, lançou-a do alto do apartamento.
Para assombro da caneta, do lápis e da borracha, a folha, que antes para eles era só e tão somente papel, tinha virado um moderno, elegante e ágil planador, que navegou livre na luminosidade intensa dos raios do sol, sumindo-se no horizonte azul, um pássaro de celulose brancamente ofuscante. E tudo isso com a bênção de um sorriso absolutamente encantador e vitorioso dado pelo pequeno engenheiro que há pouco o construíra com totais magia e delicadeza



Tema 2

Quando ele entrou em casa, não encontrou um só resquício de mobília. Tudo havia simplesmente desaparecido. Na parede, apenas um bilhete pregado com fita adesiva.

Conte uma história na qual o trecho acima possa ser inserido de maneira coerente.


 

O rapa
Marcelo Ferreira de Menezes

Ele era distraído mesmo, do tipo quase incorrigível. Mudara-se para aquele pequeno prédio de quatro andares havia poucas semanas. No dia da mudança, só para citar um exemplo, esquecera-se de pedir aos carregadores para subir o sofá, que ficou algumas horas na portaria, até que ele finalmente se deu conta. Porque era sozinho e como o zelador estivesse de folga, para subir o móvel esquecido contou com a ajuda de um dos moradores dali, um rapaz de cabelos rastafári, um de seus vizinhos de andar.
Seus esquecimentos eram frequentes. Numa hora era um pacote de compras sobre o capacho da entrada, noutra um de lixo, displicentemente largado em frente ao antigo elevador, e noutra ainda eram os vidros de seu carro que haviam ficado abertos. Mas, quando ele esqueceu a chave na fechadura, do lado de fora da porta, a vizinha de frente, uma senhora de aparência frágil e de cabelos inteiramente grisalhos, tomou partido.
Ô, menino! Vem cá! ordenou ela, gesticulando com o braço para que fosse aonde ela se encontrava.
Ele se voltou para a idosa, que, com voz trêmula, alertou:
Você tem deixado sua porta sem tranca e agora anda largando a chave do lado de fora também é?
Nesse mesmo instante, saiu do elevador o rapaz de cabelos rastafári, o mesmo que o auxiliara com o sofá. A mulher imediatamente se calou e olhou para o sujeito com uma cara feia, enquanto ele seguia para sua respectiva porta. Tão logo ele entrou, ela deu continuidade à reprimenda.
Vá se fiando que estamos num bairro tranquilo, vai! e olhou novamente com uma expressão nada boa para a direção seguida pelo cabeludo. Uma hora lhe rapam tudo! Fica o aviso! e deu um tapinha no peito do rapaz.
E ele, que, no dia da mudança, não percebera qualquer gesto que depusesse contra o rastafári, nesse dia, passou a olhá-lo com alguma desconfiança e receio.
Mesmo assim, os dias se passavam e as distrações continuavam do mesmo jeito. E a velhinha, sempre que o encontrava:
Olha, eu já te avisei! Camarão que dorme a onda leva, hein! Larga a porta aberta de novo pra ver se o rapa não passa aí!
Um dia, ao voltar do trabalho, ainda no elevador, meteu a mão no bolso, e não encontrou as chaves. Nesse instante, deduziu que as esquecera novamente na fechadura. Deixou a cabine apressado e se assustou ao ver a porta de seu apartamento escancarada. Quando ele entrou em casa, não encontrou um só resquício de mobília. Tudo havia simplesmente desaparecido. Na parede, apenas um bilhete pregado com fita adesiva. Nele, com letra tremida mas legível, podia-se ler: “Eu não te avisei?”.
Levou algum tempo ainda para que ele formasse uma imagem mental mais precisa. Quando ela ficou pronta, entendeu que havia mesmo acontecido o que a velhinha lhe dissera: o rasta passara a mão em tudo. Ao se virar para ir ter com a vizinha que o prevenira, quase morreu do coração.
Surpreso? perguntou o rastafári, no meio da sala.
Ele pensou em pegar algo para se defender do que supunha ser o seu ladrão, acreditando que, naquele instante, só lhe faltava também perder a carteira ou pior: a própria vida. Mas se defender com o quê?
Com um nó na garganta, ele só conseguiu dizer:
Você... pegou tudo.
Sim, já pegamos tudo, tudinho falou em tom de pilhéria o rastafári.
Então, o que mais quer agora?
O rasta riu e respondeu:
Ué! Lhe devolver tudo, oras!
Ele ficou sem entender aquilo. Ladrão devolvendo o produto do roubo? Mas, em seguida, o melenudo lhe explicou:
Precisávamos do flagrante. Por isso, deixamos que ela e seus comparsas pegassem tudo e seguissem para o depósito deles; lá os capturamos. Permita-me que me apresente: detetive Adriano Almeida, da décima quinta depê.
Detetive? Quem... Ela? Ela quem? o rapaz gaguejava em sua confusão.
Ela; a sua vizinha daí da frente. Eu a monitorava, aquela doce velhinha. Na verdade, uma ladra, líder de uma quadrilha que vem aplicando o mesmo golpe há anos. Bastava um mais desprevenido... Fiava-se tanto na impunidade que até bilhetinhos já estava deixando. Mas, sem que fosse nossa intenção, o senhor, distraído como é, até que acabou sendo uma boa isca! Agora, que tal irmos à delegacia lavrar a ocorrência e recuperar seus bens?