Um segredo inacreditável (Em 15/09/11)

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Um segredo inacreditável
Renata Costa

A dança para mim sempre foi algo muito além da mera expressão artística. Os momentos em que meu corpo se entregava à regência dos ritmos sempre me trouxeram a sensação do contato com o inexplicável, com uma dimensão que integra pacificamente todas as outras. Mas naquela noite, enquanto ensaiava na academia, eu realmente senti que meu corpo, de alguma maneira, se diluíra, perdera seus limites físicos; parecia que não era eu quem dançava ali e que meus pés não tocavam o chão.
Quando a música cessou, saí do salão sem trocar palavra com ninguém, apesar de eu ser de todas a mais faladeira. Senti um frio incomum no vestiário enquanto me arrumava para ir para casa.
A rua estava deserta e, no ponto de ônibus, só havia eu. Parada próxima ao meio-fio, senti uma pressão na nuca e, ao me virar, dei de cara com ele olhando sorridente para mim. Era um rapaz vestido em um terno elegante e todo preto, com detalhes em seda negra. Tinha a pele extremamente alva e um rosto angelical. De início, levei um susto. “De onde ele saiu?”, pensei. Logo ele se aproximou mais e puxou conversa. Era atraente e bastante educado, o que combinava com seu jeito antiquado de se vestir.
Durante toda a noite, continuamos ali, no mesmo banco, falando sobre arte, história, música e diversos assuntos que muito me interessavam. A cada frase que saía dos seus lábios pálidos, percebia que me encantava de um modo singular com o tom de sua voz.
A noite já estava no fim quando ele se levantou e, com um leve beijo em minha face rubra, despediu-se e sumiu tão rápido quanto um piscar de olhos. Senti um arrepio na pele ao perceber o quão frio eram seus lábios. Finalmente fui para casa.
Durante vinte e quatro dias, encontramo-nos todas as noites naquele mesmo banco de ônibus e conversamos divertidamente sobre quase tudo. Ele demonstrava possuir uma cultura vastíssima apesar de ser bastante jovem como eu.
Na vigésima quinta noite, voltei ao mesmo local, naquele mesmo horário de sempre. Entretanto, não o encontrei. E isso se repetiu por toda a semana; sempre voltava no mesmo horário, mas nunca o encontrava. Concluí que não o veria mais, que tudo não passara de um desses encontros fortuitos entre duas pessoas.
Então, numa noite de lua cheia, em vez de pegar o ônibus, resolvi fazer a pé o trajeto até minha casa. Enquanto caminhava, ia me lembrando dele e da suave melodia de sua voz. Daí o encontrei inesperadamente. Ele estava parado junto ao muro de um antigo casarão das redondezas. Indaguei-lhe o motivo de seu sumiço repentino. Ele ficou calado, pensativo, durante um longo espaço de tempo e, quando finalmente me fitou, percebi que tinha uma expressão melancólica em seus negros e profundos olhos.
Disse, então, que não poderíamos mais nos encontrar, apesar de que sentira uma grande simpatia por mim e de saber que esse sentimento era recíproco. Confusa com toda aquela situação, quis saber o porquê de todo aquele desconforto, já que compartilhávamos um sentimento tão bonito.
E ele me revelou o segredo em três terríveis palavras. Com as mãos nos meus ombros e os olhos nos meus olhos, ele disse:
̶   Eu estou morto!
Nesse exato momento, percebi que eu estava nos fundos do velho casarão, onde havia um pequeno cemitério. Uma tumba localizada no meio do local me chamou a atenção. Ao me aproximar, vi que nela havia uma lápide com uma foto já gasta de meu amigo misterioso.