O Letras entrevista o Prof.Dr. Paulo Cezar, analista técnico da Seleção Brasileira de Natação (1º de setembro de 2012, Dia do Professor de Educação Física)

Prof. Dr. Paulo Cezar
Paulo Cezar da Silva Marinho é professor de Educação Física na Escola de Especialistas de Aeronáutica. Possui Licenciatura Plena em Educação Física, Pós-Graduação em Treinamento Desportivo, Mestrado e Doutorado em Ciências do Esporte.




Letras - Qual o seu papel dentro da equipe técnica brasileira de natação?


Paulo - Eu sou um analista técnico da Seleção Brasileira de Natação. A gente é responsável por analisar os atletas tecnicamente. O nosso trabalho consiste em dois componentes: uma análise em competição e uma análise no próprio treinamento. O que é a análise em competição? Até como parte da minha tese, a gente desenvolveu um sistema pra identificar pontos fracos e pontos fortes dentro de uma prova de natação, por exemplo. Então, numa prova de cinquenta metros, que dura vinte segundos, eu consigo tirar mais de vinte ou trinta parâmetros a serem analisados. O que a gente faz? A gente filma a prova e essa imagem vai pra dentro do computador. No computador, a gente cria algumas linhas virtuais em pontos determinados, e ali eu consigo seccionar toda a piscina. Eu identifico, por exemplo, qual é a saída do meu atleta em números. Durante todo um ciclo olímpico, a gente vai monitorando esses atletas, não só os nossos, como também os adversários. Daí começa a segunda análise. A gente vai agora esmiuçar o porquê o atleta de fora é melhor do que o nosso na saída. E aí existem inúmeras variáveis que podem influenciar esse resultado. Por exemplo, a força muscular. A gente vai filmar esse atleta fazendo uma saída em competição lá do topo, lá da arquibancada. É simplesmente saber como que o atleta se encontra em determinados trechos. Daí a gente tem que ir para o treino dele, que normalmente é no clube, coloca a câmera dentro d'água, fora d'água, e consegue identificar se existe alguma deficiência técnica que esteja prejudicando a saída dele de zero a quinze metros. É um estudo bem detalhado. Nessa avaliação em competição, a gente mede, por exemplo, variáveis temporais, variáveis cinemáticas, a velocidade com que eles entram na água, o ângulo de entrada na água, quanto tempo leva do sinal até o momento que abandona o bloco...


Letras - É necessária toda uma equipe, não é?


Paulo - Que trabalha comigo tem uma pessoa. A gente leva essa discussão para toda a equipe: o fisioterapeuta, o médico, o técnico. Tem um staff que trabalha interligado. Mas eu também atuo como um consultor na área metodológica do treinamento. A metodologia do treinamento é o planejamento. Para a minha tese de doutorado, eu fiz uma adaptação de uma metodologia russa que foi idealizada para o atletismo. Trata-se do método de treinamento de um professor chamado Yuri Verskochanski. Não havia uma metodologia voltada para o nível em que aquele atleta se encontrava, especificamente. Então, eu me associei com o treinador, que na época era técnico do Gustavo Borges, o Alberto Silva. Ele disse: "Eu acho difícil fazer alguma coisa com o Gustavo agora. Mas está chegando um menino aí bom; dá para a gente fazer alguns experimentos com ele. É o César Cielo". Nessa época, ele era um garoto promissor, mas só tinha quinze anos. Então, o meu trabalho ganhou muita notoriedade no meio da natação em função dos resultados que vieram a acontecer com o César Cielo.


Letras - De quais competições nacionais e internacionais você já participou? Você participa de todas?


Paulo - Eu participava, agora não. O meu primeiro Mundial (a gente conta como competição importante os Mundiais e os Jogos Olímpicos) importante mesmo foi em Melbourne, na Austrália, em 2007. Dali, vieram os Jogos Pan-americanos, que ocorreram no Brasil, em 2007. Eu participei depois dos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008. Aí, voltei dos Jogos de Pequim e, na sequência, veio Roma, 2009, Campeonato Mundial. Em 2010 foram duas competições: uma nos Estados Unidos, chamada Pan Pacífico, que reunia os países banhados pelo Oceano Pacífico, mas para a qual nós fomos convidados a participar, e, depois, o Mundial em Dubai, também em 2010. Em 2011, houve o Campeonato Mundial em Xangai e, na sequência, o Pan-americano, em Guadalajara. Daí, em 2012, a competição mais importante foram os Jogos Olímpicos de Londres.


Letras - Quantos títulos você já obteve desde que esse trabalho se iniciou?


Paulo - Nós ganhamos algumas medalhas. Em jogos do Pan, por exemplo, ganhamos muitas. Na verdade, quem ganha a medalha é o atleta. A equipe técnica não. A gente trabalha muito em função da medalha dos Jogos Olímpicos. O Campeonato Mundial é importante, mas é tudo preparação para os quatro anos, tudo faz parte desse ciclo olímpico. O que eu posso dizer é que, desde o início da minha participação na Seleção até hoje, a gente tem aí quatro medalhas olímpicas. É o que eu posso colocar no currículo. A gente tem uma medalha de ouro do Cielo, duas de bronze também dele e uma de prata do Thiago Pereira agora.


Letras - Você pratica algum esporte?


Paulo - Eu corro; eu gosto muito de correr. Também joguei muito futebol... Nadador eu nunca fui.


Letras - Como você enxerga a prática esportiva escolar atualmente no Brasil?


Paulo - É um ponto crítico no Brasil. Se você vai para outros países de Primeiro Mundo, vai para a Europa ou para China, que valoriza muito o esporte, a educação física é obrigatória em todas as fases e é praticada todos os dias. Aqui nós não temos educação física todos os dias. E isso é um grande problema: como é que você vai dar oportunidade a um garoto para a prática esportiva, despertar o interesse por alguma modalidade, se esse garoto não pratica educação física na escola? E cada vez mais, com computador, com internet, com videogames, cada vez mais as crianças estão se afastando disso. E isso é um grande problema; tem que ter base.


Letras - Esse aspecto entra na nossa próxima pergunta, que é a quantas andam as políticas brasileiras voltadas para o fomento desportivo?


Paulo - Tem que melhorar muito. Tem que ter uma participação grande do Governo Federal, óbvio, só que as prefeituras também têm que acordar para isso. Tudo tem de começar na base, nas prefeituras, nas escolas, no estado e, depois, logicamente, ter uma política nacional realmente voltada para o esporte. Daí a coisa começa a andar.


Letras - E a Lei Agnelo Piva?


Paulo - A Lei Agnelo Piva repassa dois por cento das loterias federais para as confederações e para o COB (Comitê Olímpico Brasileiro). Mas há também a lei do incentivo fiscal, que está movimentando muito dinheiro no esporte. Essa lei, que não é nova, permite à empresa que investir no esporte abater, se eu não me engano, um por cento de sua renda. Um por cento de uma empresa como Banco do Brasil, Bradesco rende milhões de reais. Acaba sendo interessante. E isso hoje tem acontecido. Você vê: as federações têm patrocínio, os grandes clubes principalmente têm patrocínio.


Letras - Aproveitando o fato de que acabamos de passar por mais uma olimpíada, qual foi a sua avaliação do desempenho do Brasil de uma forma geral?


Paulo - A gente começa a observar uma melhora. O panorama está mais favorável. Nos jogos olímpicos, você tem uma bala para acertar, e essa bala tem de acertar no alvo, que é a medalha de ouro. Se você acertar vinte vezes na de prata e uma na de ouro, se você tiver, no quadro de medalhas, vinte de prata e um país tiver uma de ouro, o que tem uma de ouro fica na frente do que tem vinte de prata. Se um país tiver cinquenta medalhas, somando as de prata e as de bronze, e um outro tiver uma de ouro, este último fica na frente do que tem cinquenta.


Letras - Quais são as perspectivas para as próximas olimpíadas, em 2016?


Paulo - O que tem de se fazer é aumentar a quantidade de atletas com chance de disputar uma medalha de ouro. O objetivo do COB é que o Brasil chegue a ser o décimo nas Olimpíadas de 2016. É uma meta audaciosa, mas, para que isso aconteça, eles têm de aumentar o número de atletas com chance de medalha.


Letras - Você está trabalhando em algum novo projeto?


Paulo - Normalmente, a gente costuma dizer que, após uma olimpíada, a gente passa por uma ressaca. Ressaca pós-olimpíadas. Porque são quatro anos trabalhando de forma muito intensa. Então não estou trabalhando em nada nesse sentido. Minha ideia hoje é trabalhar como um consultor da Confederação, enfim, orientando essas pessoas que trabalham comigo, deixar essas pessoas na linha de frente e ficar por aqui mais na EEAR. Quero curtir mais a família, curtir mais a cidade... Coisa de que, há dez anos, eu tive de abrir mão. Além disso, eu tenho outros projetos voltados para a Escola, para a EEAR. Usar, por exemplo, os recursos daqui, não só os voltados para o treinamento, pois acredito que agora essa contribuição deve ser voltada para a saúde dos alunos. Inclusive eu já cheguei a fazer alguns trabalhos aqui para a Escola, eu já usei alguns recursos. Logo que eu cheguei aqui, havia uma menina que era BCT-ME, eu acho, e chamou a atenção até do Brigadeiro, que, observando a maneira como ela corria, se demonstrou preocupado com o desalinho de sua postura durante o exercício, refletindo na maneira inclusive como marchava. Então o Coronel Teles Ribeiro, sabendo de meu trabalho, pediu para que eu intercedesse de alguma forma, no sentido de ajudar a aluna. Eu fiz uma avaliação dessa aluna correndo, marchando, a gente a filmou em vários ângulos, e o problema dela era consciência corporal. Aquilo que eu falei: não teve educação física quando criança, o básico, não sabia correr. A gente, então, fez um trabalho de educação postural; alongava uns grupamentos musculares que estavam encurtados, fortalecia outros que precisavam ser fortalecidos. Dois meses depois, nós filmamos a aluna. Você precisava ver a diferença que deu! O antes e o depois. Daí eu levei para o Coronel, mostrei para o Brigadeiro... Nem se reconhecia mais a menina, não dava para notar a marcha e a corrida. Minha ideia agora é continuar como um consultor da Confederação, mas me envolver mais com os projetos mais internos daqui da Escola, com os problemas da Escola, dos alunos.


Letras - Paulo por Paulo.


Paulo - Paulo por Paulo? (risos). Isso aí é difícil, hein?... (risos). Isso é um memorial! (risos)