Agnes e Crisómalo

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Agnes e Crisómalo

Marcelo Ferreira de Menezes

Queres te casar comigo, tu me dizes... falava a bela jovem, afetando enxugar uma lágrima no canto dos olhos com a ponta de um lencinho. Se ao menos soubesses a dor que tenho de carregar...
Eis, então, mais um motivo para me devotar completamente a ti. Serei teu servo e me adiantarei a qualquer mal, para que nunca mais tenhas de sofrerprometeu o mancebo, acolhendo uma das mãos da menina em seu peito, guarnecido por um elegante colete de veludo vinho.
Não sabes o que dizes! Oh, como sou infeliz! ― e a moça irrompeu num soluço.
A cena era de comover o mais duro dos corações: dois jovens, exibindo toda a viçosa beleza da juventude, destilavam, gota a gota, os inebriantes eflúvios primaveris de um amor, pelo menos na visão da moça, impossível. Como testemunha dessas palavras, apenas uma fonte chorando suas águas preguiçosas, o velho banco daquele jardim e um cair de tarde de uma mornidão outonal.
Conta-me tudo! Conta-me agora! Meu Deus! Nada, por pior que seja esse teu segredo, nada, eu digo, fará meu amor por ti declinar!
A moça resolveu-se:
É bom que estejas preparado.
E estou! ― confirmou resolutamente o jovem.
A moça docilmente desfez o laço de uma de suas sapatilhas e a descalçou. Liberando-se de uma delicada meia de seda lilás, exibiu o motivo de seu pesar: um grosso e rijo tornozelo inteiramente recoberto por uma pelagem suave e alvíssima, cuja extremidade era idêntica aos cascos bifurcados dos caprinos.
O semblante do rapaz era de total assombro.
Há muito ainda sobre mim que você não sabe ― disse ela repondo a meia em seu pé de cabra.
O outro pé também é assim? ― ele quis saber.
Sim; exatamente como viste. Sofro...
Não devias. És linda! A mais linda! És perfeita! Fomos feitos um para o outro!
A moça não entendeu. Sempre que revelava seu segredo, o comum era que os pretendentes fugissem horrorizados. E, perguntando ao moço como podia ser que ele reagisse de forma tão improvável à visão, ele repetiu o gesto anterior da menina, descalçando suas botas de cavaleiro.
Também tu os tens! impressionou-se a moça com um esgar.
Sim! Somos iguais! Agora nada mais atrapalha nosso amor! Casemo-nos!
Mas a moça, com desdém no olhar:
Cê é besta! Está claro que não! De certo perdeste o senso!
Mas... Como? Por quê? surpreendeu-se o moço.
Ora! bufou ela, demonstrando-se aborrecida. Por que cargas d'água haveria eu de me casar com alguém com um aleijão tão terrível?!
É quase sempre assim: o mesmo defeito que alguém traz em si é intolerável quando descoberto no outro.


 Desenvolvido a partir do tema:

Há muito ainda sobre mim que você não sabe ― disse ela repondo a meia em seu pé de cabra.

Redija um texto narrativo em que o trecho acima seja inserido de forma coerente.