Três narrativas; um só tema! - 24/04/17

As três próximas narrativas respeitaram as orientações do tema que se segue:

Tema: Crie uma narrativa, em primeira pessoa, em que o trecho abaixo seja inserido, de forma coerente, em qualquer momento do texto.
      
              Ainda bem que perdi aquele voo!


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O voo de um anjo
Prof. Marcelo Ferreira de Menezes

       Como representante comercial de uma importante empresa desenvolvedora de projetos urbanísticos, acostumei-me a estar sempre viajando. Praticamente era um lugar diferente por semana. O salário, para um rapaz solteiro como eu, era muito bom, o que me garantiu um confortável apartamento no Jardins, bairro chique de São Paulo. Eu estava com tudo pronto para partir em mais uma jornada. O destino era Nova York. Decidi pegar o primeiro voo daquela segunda-feira; um táxi me levaria até o aeroporto.
       Durante o trajeto, fomos surpreendidos por um fluxo de trânsito anormal para aquela hora da manhã. O motorista ligou o rádio, e ficamos sabendo que havia ocorrido um acidente: parte de um viaduto desabara nas primeiras horas do dia, e a cidade estava um caos. Sugeri que ele pegasse outro caminho então, que evitasse a marginal, mas já era tarde demais; estávamos encurralados. A hora do voo estava praticamente estrangulada; seria impossível chegar ao aeroporto a tempo de embarcar no avião.
       Vendo que iria mesmo perder a viagem, paguei a corrida até ali e, conformado, atravessei algumas ruas a pé até chegar ao metrô e segui rumo a meu apartamento. Perder o voo não era algo que fosse me trazer complicações. Bastaria trocar a passagem para o dia seguinte. Chegar a Nova York com um dia de atraso não atrapalharia em nada meus planos.
       À portaria do prédio, acenei para o porteiro para que ele me abrisse o portão eletrônico. Cumprimentei-o ao passar pela guarita e, quando estava atravessando o jardim da entrada, quase alcançando a porta de vidro do prédio, senti uma pancada forte na cabeça; um peso violento que quase quebrou meu pescoço. Apaguei na mesma hora.
       Dizem que dormi por quase duas horas.
       Quando acordei, eu estava num leito de hospital. Um médico, um rapaz de uns vinte e poucos anos, sorria para mim.
       ― Mas que cabeça dura, hein? ― brincou ele, olhando para o prontuário.
       ― O que que eu... Ah! Já me lembro! Alguma coisa caiu na minha cabeça ― eu falei levando a mão ao topo doído dela.
       ― É ― falou o jovem médico. ― Ainda bem que não quebrou.
       ― O que foi que me acertou, doutor? Um vaso de flores, um ferro de passar roupas, um piano ou um elefante? ― eu brinquei.
       ― Há mais coisas que caem do céu; como anjos, por exemplo.
       ― Não entendi.
       ― Espera, que eu já trago o que quase te matou.
       Ele saiu da sala e, logo em seguida, voltou com o que tinha caído sobre mim. Era um menininho de uns cinco anos, moreninho, com o braço engessado e olhar assustado.
       ― Foi esse artista aqui que tava tentando dar uma de super-homem ― disse passando a mão na cabeça do guri.
       A mãe do menino o acompanhava. Era jovem e bem bonita. Eu a reconheci imediatamente. Era a minha vizinha de cima. Vivia sozinha com o filho. Com certo acanhamento, ela se dirigiu a mim:
       ― Eu vim agradecer ao senhor. Se não fosse o senhor ali, o Oswaldinho tinha caído direto no chão e só Deus sabe o que teria acontecido. O senhor amorteceu a queda. Eu realmente não tenho como lhe agradecer.
       Depois, olhando para o menino:
       ― E o senhor nunca mais suba na grade da varanda! ― repreendeu-o firme, mas com certo mel na voz.
       Eu tentei amenizar:
       ― Ah, que isso! Acho que eu é que tenho que agradecer por ele ter me dado a chance de me tornar um herói. “E também por algo que não posso dizer agora”, pensei.
      E fiquei observando aquela bela mulher e seu doce filhinho de braço quebrado. No meu íntimo, feliz, vendo que eu fora o responsável por estarem ambos bem, pensei: “Ainda bem que perdi aquele voo!”.