Módulo de narração (30/04/2011)

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Você, que é da primeira série, já iniciou o módulo do curso dedicado aos estudos a respeito dos atributos de um texto narrativo. Portanto, deve estar descobrindo, a cada aula, que existem muitos aspectos técnicos a serem considerados na hora de se compor um texto narrativo de estilo clássico em situações de avaliação. Mas há outras dimensões não físicas nesse tipo de texto (produzido com intuitos avaliativos) para as quais temos chamado sua atenção desde o módulo de descrição.
Sempre reforçamos, em nossas aulas, a necessidade de que você compreenda que todo texto é uma janela através da qual se avista o interior da pessoa que o compôs. Por meio de um texto, o avaliador habilidoso tem a possibilidade de deduzir algumas coisas importantes sobre aquele que escreve: se possui senso de organização, se sabe hierarquizar as ideias com as quais irá trabalhar, se possui maturidade linguística e psicológica, se possui muita ou pouca experiência de vida, se tem proficiência em leitura e conhecimento das várias dinâmicas discursivas passíveis de serem veiculadas em um texto e muitos outros sinais que são transmitidos por meio da linguagem.
Assim, o momento da interpretação de um tema é decisivo para a boa condução do que se irá colocar na folha de papel. A preocupação então é: o que vou veicular no texto a meu respeito para que meu avaliador me identifique como alguém apto para ocupar o lugar que estou pleiteando?
Há uma infinidade de temas que podem ser sugeridos em um processo de avaliação que se valha da narração para cumprir seus propósitos. E você sabe que precisa estar preparado para qualquer um que lhe caia às mãos. Não subestime nenhum tema; qualquer que seja ele, foi feito por profissionais que sabem o que estão buscando. E não existe tema impossível de ser desenvolvido. Tudo pode ser desenvolvido com criatividade.
Veja, por exemplo, a situação seguinte, na qual o tema propõe que animais devam interagir em uma narrativa.


Tema:

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        Uma formiga estava caminhando tranquilamente rumo ao formigueiro de algumas amigas, quando um enorme elefante se colocou no seu caminho, obstruindo a passagem.
Pode parar aí mesmo! — bradou o elefante com voz poderosa. — Aonde você pensa que vai?
Surpresa, a pequena formiga lançou suas anteninhas em direção ao alto.
Ué! Estou indo visitar umas amigas lá do Formigueirão.
Daqui você não passadisse o paquiderme dando um pisão que reverberou na terra.

        Desenvolva uma narrativa inserindo na íntegra o trecho acima de forma coerente.


Repare que o tema envolve animais que falam e participam de uma dada realidade que os fará interagir. Mas que problema haveria aqui? Que riscos o candidato poderia correr? Bom, nossa experiência tem demonstrado que alguns não sabem aproveitar com muita propriedade um tema como esse, desenvolvendo narrativas cujo resultado é apenas, digamos, infantil, pueril, sem índices de maturidade de quem escreveu. É muito importante perceber que, em situações de avaliação, você não escreverá para uma criança, mas para um adulto hábil em leitura.

Veja o que estamos querendo dizer, lendo o texto que se segue.


A formiga avassaladora que não levava
desaforo para casa contra o paquiderme valentão

        Uma formiga estava caminhando tranquilamente rumo ao formigueiro de algumas amigas, quando um enorme elefante se colocou no seu caminho, obstruindo a passagem.
Pode parar aí mesmo! — bradou o elefante com voz poderosa. — Aonde você pensa que vai?
 Surpresa, a pequena formiga lançou suas anteninhas em direção ao alto.
 — Ué! Estou indo visitar umas amigas lá do Formigueirão.
         — Daqui você não passa — disse o paquiderme dando um pisão que reverberou na terra.
          — Posso saber por quê? — quis saber a formiga.    
          — Eu decido quem vai ou não passar por essa estrada e, ainda assim, somente depois de pagar pedágio. Sou extremamente forte e esmago quem quer que seja com minha pata. Além do quê, eu não temo nada, e não me custaria esforço algum estraçalhar você agora mesmo, sua petulante!
         — Você pode ser muito valente lá pras suas negas, mas comigo é no miudinho! — retrucou a formiga.
          — Ah, é?! — espantou-se o elefante.
          — Vem que eu te mostro, bandido!
         Teve início um combate sangrento e desigual. A formiga era realmente bem menor que o elefante. Só que este ignorava que ela era mestre em “Forming-Fu”, e, após alguns minutos, o paquiderme, cansado de ser sacudido como um saco vazio para todo lado, não teve outra escolha a não ser sair correndo.
        Aproveitando-se de suas habilidades marciais, quem está no comando do pedágio atualmente é esse pequeno mas poderoso inseto.

***
  Apesar de contar uma história e cumprir com algumas expectativas sobre o texto narrativo, ele apela para um humor talvez inadequado para a situação de sua produção, além de ressaltar aspectos negativos. Repare que a formiga soluciona a questão por meio de violência, o que é condenável sob todos os prismas, além de, ao final da narração, passar a ocupar o lugar do elefante no ato desonesto de extorquir dinheiro daqueles que passavam pela estrada. Veja então que não se trata de um problema de linguagem ou de questões gramaticais somente; trata-se da veiculação de valores, que serão representativos das ideias do produtor do texto.
  Vejamos agora este outro exemplo:

Paixão à primeira trombada

        Uma formiga estava caminhando tranquilamente rumo ao formigueiro de algumas amigas, quando um enorme elefante se colocou no seu caminho, obstruindo a passagem.
Pode parar aí mesmo! — bradou o elefante com voz poderosa. — Aonde você pensa que vai?
Surpresa, a pequena formiga lançou suas anteninhas em direção ao alto.
Ué! Estou indo visitar umas amigas lá do Formigueirão.
         — Daqui você não passa — disse o paquiderme dando um pisão que reverberou na terra.
         — Ai, adorei!
         O elefante ficou confuso.
         — O que foi que você adorou?
         — Sei lá. Esse seu jeito másculo de ser. Isso mexe comigo, sabe? — disse a formiga revirando os olhinhos.
         O elefante olhou bem para o pequeno inseto e reparou que ela era bem jeitosa.
         — Sabe, estive pensando — provocou o elefante. — Que tal dar um passeio em minha tromba?
         Foi amor à primeira trombada. Os dois se casaram e tiveram um casal de filhos: uma formiga gigantesca, que, em vez de antenas, exibia uma belíssima tromba, e um elefante de seis patas do tamanho de e preto como um besouro. E foram felizes para sempre.

***

         Aqui temos o tema sendo resolvido por uma situação também sem atributos que revelem algo de positivo sobre o escritor, a não ser o bom humor. Mas pode ser o caso de seu avaliador não estar procurando humoristas. Além disso, uma das falas do elefante contém um duplo sentido perigoso quanto ao bom gosto que deve ser condizente com o contexto formal de avaliação. Situações que insinuem erotismo podem depor contra o estilo e são verdadeiras armadilhas para o candidato.

         Qual seria a chave para se trabalhar então com temas que ofereçam animais como personagens? Bom, você já deve ter ouvido falar algo sobre as fábulas. Nelas os animais, comportando-se como humanos, vivem algum conflito cuja resolução deixará para o leitor uma mensagem, cumprindo, dessa forma, com uma função pedagógica, sempre presente nesse tipo de texto. Há sempre uma “moral da história”, não é mesmo? A raposa e as uvas, A tartaruga e a lebre, O sapo e o escorpião são fábulas muito famosas, e possivelmente você deve conhecê-las, além de algumas outras.
         Então, haver animais em um tema não pressupõe que você deva criar uma história infantil ou contar uma piada. Por história infantil entenda-se aquela da qual não é possível sequer retirar uma mensagem que suscite algum tipo de reflexão construtiva, efeito de fato revelador dessa autocrítica madura sobre a qual temos discorrido. E, ao contrário do que se pode pensar, existe muita criança que já apresenta indícios dessa maturidade linguística e psicológica, guardadas, obviamente, as devidas proporções, e adultos que ainda se encontram numa espécie de "infância da leitura". Muitas vezes, a idade cronológica não corresponde à idade psicológica. E isso é facilmente depreendido dos textos pelos leitores mais experientes. Aliás, se atentarmos para o estilo das fábulas, veremos que as lições ali veiculadas se aplicam a todos, principalmente aos adultos, já que constituem ensinamentos sobre a vida, sobre o comportamento humano.
          Veja agora dois exemplos de aproveitamento bem-sucedido desse tema.


Grandes problemas, pequenas soluções

Uma formiga estava caminhando tranquilamente rumo ao formigueiro de algumas amigas, quando um enorme elefante se colocou no seu caminho, obstruindo a passagem.
Pode parar aí mesmo! — bradou o elefante com voz poderosa. — Aonde você pensa que vai?
Surpresa, a pequena formiga lançou suas anteninhas em direção ao alto.
Ué! Estou indo visitar umas amigas lá do Formigueirão.
Daqui você não passa — disse o paquiderme dando um pisão que reverberou na terra.
E eu posso saber por quê? — inquiriu o miúdo inseto.
Eu decido quem vai ou não passar por essa estrada e, ainda assim, somente depois de pagar pedágio. Sou extremamente forte e esmago quem quer que seja com minha pata. Além do quê, eu não temo nada, e não me custaria esforço algum estraçalhar você agora mesmo, sua petulante!
Ai! Essa é nova! — disse aborrecida a formiga.
Não havia o que fazer. Por mais que ela argumentasse, o elefante apenas sacudia negativamente a tromba e exigia o pagamento pela liberação da passagem.
Pensando no que dissera o elefante, a formiga teve uma ideia.
Quer dizer que você não vai me deixar passar?
Não!
Então me faça um favor, sim? Não arrede pé daí, que eu já volto.
O elefante pareceu confuso.
Algumas horas depois, parado na mesma posição, o elefante sentiu um pequeno cutucão na pata.
Ei, gorducho!
Era a formiguinha.
Quero lhe apresentar um amigo meu.
Ao virar a cabeça para o lado oposto do da formiga o elefante gelou e, num pulo, aterrorizado, embrenhou-se pela mata, liberando a estrada.
Após rirem muito, os dois amigos se despediram.
Obrigada, compadre rato. Acho que demos uma baita lição nesse elefante.
Ah! Para você estarei sempre às ordens! E muito obrigado pelo queijo! Tenho certeza de que estará maravilhoso!
Então, a formiga pôde retomar tranquilamente seu caminho com a convicção de que os problemas, por maiores que sejam, às vezes podem possuir uma solução bem simples.

***

Nessa narrativa, aproveitou-se o fato bastante conhecido por todos e explorado inclusive por desenhos animados sobre o peculiar medo que os elefantes têm de animais miúdos, como os ratos. Através das ações que se passam, podemos concluir que ninguém é tão forte e poderoso que não possua alguma fraqueza. A formiga conhecia qual era a do elefante e explorou isso para lhe dar uma lição. O título Grandes problemas, pequenas soluções remete ao título de um programa sobre economia e empreendimento exibido em uma importante emissora de televisão do país: Pequenas empresas, grandes negócios. Isso revela um pouco do conhecimento de mundo do autor e estabelece uma intertextualidade cuja dimensão significativa remete ao campo profissional, econômico, do empreendedorismo.
A mensagem do texto é clara: por maior que seja o problema, ele pode possuir uma solução bem simples. Aliás, muitas soluções simples já sanaram problemas cuja resolução parecia difícil ou, em alguns casos, impossível. Apesar de não ser necessário proceder como nas fábulas, inserindo no último parágrafo uma moral da história, pois a história narrada por você pode muito bem ser autoexplicativa, julgamos necessário aliar ao desfecho algo sobre o conteúdo da mensagem, mas ainda assim de forma narrativa, ao revelar a convicção da formiga sobre essa ideia após todo o ocorrido.


E por último:

A formiga e o elefante

Uma formiga estava caminhando tranquilamente rumo ao formigueiro de algumas amigas, quando um enorme elefante se colocou no seu caminho, obstruindo a passagem.
Pode parar aí mesmo! — bradou o elefante com voz poderosa. — Aonde você pensa que vai?
Surpresa, a pequena formiga lançou suas anteninhas em direção ao alto.
Ué! Estou indo visitar umas amigas lá do Formigueirão.
Daqui você não passa — disse o paquiderme dando um pisão que reverberou na terra.
E eu posso saber por quê? — inquiriu o miúdo inseto.
Eu decido quem vai ou não passar por essa estrada e, ainda assim, somente depois de pagar pedágio. Sou extremamente forte e esmago quem quer que seja com minha pata. Além do quê, eu não temo nada, e não me custaria esforço algum estraçalhar você agora mesmo, sua petulante!
Ai! Essa é nova! — disse aborrecida a formiga.
Não havia o que fazer. Por mais que ela argumentasse, o elefante apenas sacudia negativamente a tromba e exigia o pagamento pela liberação da passagem.
Mas, como todos sabem, as formigas são insetos muito inteligentes, e a formiguinha resolveu tentar uma estratégia.
Gozado!
O que que é gozado? — quis saber o elefante com um olhar simulando enfado.
Daqui de onde me encontro o senhor não me parece assim tão alto, não.
Ah, é? E quem está me falando isso? Uma formiga?! Vê se te enxerga!
Não, é verdade! O senhor é bem baixinho até!
Ah, mas é agora que eu te esmago! — gritou o paquiderme.
Mas a formiga foi mais rápida:
Não, não! Não é preciso violência. Veja: eu posso estar certa ou errada quanto à sua altura. Mas para termos certeza, não seria melhor que o senhor me levantasse com sua tromba acima de sua cabeça? Daí então eu posso calcular exatamente quanto o senhor mede. Se eu estiver errada, prometo que vou em casa buscar dinheiro para pagar em dobro o pedágio.
O elefante gostou da ideia; tinha curiosidade em saber sua altura. Além do mais, ele tinha certeza de que a formiga estava errada, o que lhe renderia um bom pedágio.
Ok! Combinado!
Ele então ergue a formiga acima de sua cabeça.
Mais alto, seu elefante! — pedia a formiguinha. — É; pode descer. Eu estava errada, mesmo. Vou já em casa trazer para você o dinheiro.
E vê se não demora, sua tonta! — bufou o elefante.
Este ficou ali esperando. E deve estar lá até hoje, pois, quando a formiguinha estava nas alturas, em cima de sua tromba e acima da enorme cabeça, pôde enxergar uma outra estrada que passava ao largo e que a levaria ao mesmo destino. Seguiu por ela tranquilamente, com a certeza de que muitas vezes é no próprio problema que podemos encontrar a chave para nos livrarmos dele.

                                                                      ***

As fábulas que narram conflitos dessa natureza (tentativa de se impor algo por meio da força bruta) costumam revelar que as personagens ameaçadas por antagonistas dessa natureza, para se verem livres da situação, contam com sua inteligência. Algum tipo de disputa é proposta, algum jogo mental, um desafio, por meio dos quais a protagonista consiga se sair bem. Essa foi a chave para a resolução do conflito gerado nesse último texto. Além disso, a mensagem sugere algo importante para a vida: a análise ponderada de um problema pode revelar que o necessário para sua resolução pode se encontrar em sua própria natureza; ou seja, em um problema, podemos encontrar respostas para o mesmo problema. Isso é algo fundamental para as relações sociais e, principalmente, para o universo profissional.
Que tal aproveitar e fazer uma pesquisa sobre as fábulas? Elas, além de oferecerem muitos ensinamentos, podem servir de inspiração para muitas outras histórias a serem ainda criadas; a sua pode estar só esperando por isso. Leia. Pesquise. Produza.

Um abraço.