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O susto
Prof. Marcelo Ferreira de Menezes
Quando o celular do serviço tocou, eu quase tive vontade de
jogá-lo pela janela. Era meu primeiro dia de férias, estava um calor dos
infernos e eu já estava de malas prontas para ir para Cancun. Só podia
significar uma coisa aquele chamado: minhas férias não iriam começar
ali.
Amaldiçoei-me por não o ter deixado desligado de uma vez. Era meu
chefe, dizendo que eu tinha que embarcar naquele mesmo instante para a
Argentina, pois tinha um abacaxi que só eu podia descascar. Era sempre
assim; quem mandou eu ser bom no que faço?
Bom, eu tinha de ir mesmo para o aeroporto. E o pior é que tive de
reorganizar tudo, já que, ao invés de um país quente, o que me
aguardava, a partir dali, era o frio argentino. Tudo bem; recebendo o
que eu recebia no final do mês...
Levei tudo para meu carro. Eu nunca gostei de táxis. Taxistas não calam
a boca, e eu preferia ir me deleitando no caminho ao som de um bom jazz.
Ir em meu próprio carro tinha ainda outra vantagem: como ele ficaria
estacionado no estacionamento do aeroporto, na volta ele já estaria lá
me esperando. A conta dos dias em que ele permaneceria lá era alta, mas o
conforto não nasceu para ser barato; conforto é para quem pode.
Antes de ir para o aeroporto, eu tinha de deixar Chopp, meu pequeno amigo schnauzer,
no hotelzinho para animais. Coloquei as malas no banco de trás de minha
Mercedes e a caixa de transporte de Chopp no porta-malas; se
Chopp fizesse xixi durante o trajeto, não iria querer que ele vazasse
para os meus bancos de couro. Peguei a via expressa e, distraído com a
música, pesei um pouco o pé no acelerador. Não demorou muito, eu ouvi a
sirene das motos da ROCAM.
A conversa com os policiais me custou uma pesada multa e uns bons
quarenta minutos de atraso. Isso foi o suficiente para me deslocar de
uma situação confortável com relação ao tempo de chegada para a retirada
de minha passagem, que já estava me aguardando no guichê da empresa
aérea. Resolvida a situação com os patrulheiros, segui rumo ao meu
destino.
Chegando ao aeroporto, apresentei-me no guichê. A atendente foi direta:
― O seu voo acabou de decolar.
― Cê tá brincando.
― Mas o senhor pode trocar para o próximo horário, se quiser.
Eu não quis. Achei melhor deixar para o dia seguinte. Liguei para meu
chefe e, simplesmente, contei o que acontecera. Ele riu, disse que só eu
mesmo, que eu estava era inventando, me chamou de cachorrão. E foi
então que eu tomei o maior susto. Desliguei o celular sem nem me
despedir e saí como um louco correndo pelo saguão do aeroporto.
Esbaforido, cheguei ao subsolo, onde se localizava a garagem, e
encontrei meu Mercedes. Trêmulo, abri o porta-malas e dei de cara com o
focinho de Chopp, babando de calor e com os olhos saltados de medo.
No mínimo, eu ficaria na Argentina por duas semanas. Tudo acabou não
passando de um baita susto. Mas o que teria sido de Chopp se eu tivesse
subido naquele avião eu nem quis imaginar. Abraçado ao meu pequeno
amigo, pedindo-lhe um milhão de desculpas, eu só conseguia pensar:
“Ainda bem que perdi aquele voo!”.